quarta-feira, 11 de maio de 2011

A igualdade e a equivalência


*Well Castilhos

Em decisão histórica e unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, chamados casais homoafetivos, que passam a ter os mesmos direitos garantidos a casais heterossexuais unidos neste mesmo regime. Agora a decisão do STF passa a ser seguida pelos outros tribunais e os casais homossexuais que vivem em união estável terão direitos como o regime de partilha de bens, pensão alimentícia e herança. E para aqueles cuja úlcera arde só de ouvir falar na decisão do Supremo, é preciso salientar que o STF não disse que união estável de homem e mulher seja igual a de casais do mesmo sexo. Houve uma equiparação ou equivalência. E não se trata de casamento, mas sim de união estável.

Quem acompanhou a votação pôde perceber, nas falas dos ministros e ministras do STF, um certo descontentamento com o Congresso Nacional, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Pôde-se perceber também que a decisão da Suprema Corte foi como um recado: o Congresso Nacional ainda terá muito o que fazer em relação a este tema.

Em entrevista recente que fiz com o governador do estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, também autor de uma das ações julgadas pelo STF, perguntei se ele não achava o Judiciário mais “avançado” e menos conservador que o Legislativo. Como bom político, Cabral respondeu dizendo que não acreditava que um Poder seja mais ou menos conservador do que o outro.

Sabemos que sim. Se não menos conservador, o Judiciário tem ao menos uma posição mais racional, e se o STF tomasse decisões que não refletissem uma realidade nacional – como na aprovação da pesquisa com células-tronco, em 2008, e na decisão da semana passada, que pode ter levado em conta o fato de o Censo 2010 do IBGE ter contabilizado mais de 60 mil casais homossexuais no país – a Corte perderia sua racionalidade. Aliás, tal racionalidade pode ser sentida nas falas e argüições de cada um dos ministros que afirmaram, por dez votos a zero, que homossexuais podem constituir união estável. Ao contrário do que vemos nos discursos de muitos(as) deputados(as) e senadores(as), que, inflamados de irracionais concepções conservadoras permeadas por um moralismo religioso, não conseguem enxergar a realidade do país.

A decisão do STF promove um amadurecimento na sociedade brasileira, ao civilizar a divergência. No entanto, não é porque a decisão da Suprema Corte será publicada no Diário Oficial da União que isto mudará mentalidades. Embora, na prática, a união homoafetiva possa ser reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro (e daqui por diante a decisão do STF garante isto), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a Igreja Católica vão continuar a defender suas posições e muitos políticos ligados a estes setores ainda continuarão achando que dois homossexuais não podem formar família – por ser uma relação não reprodutiva – ou que a adoção de crianças por casais homoafetivos significa a “legalização da pedofilia”.

Como lembrou o minstro Ricardo Lewandowski em seu voto, é preciso lembrar, porém, os diferentes conceitos de família definidos pelas Constituições anteriores à de 1988, desde 1937. Todas as definições estavam vinculadas ao casamento, e a atual Constituição foi a primeira a desvencilhar o matrimônio do conceito de família. Hoje em dia, e estão aí os Censos que não nos deixam mentir, é possível identificar, pelo menos, três tipos de família: a constituída pelo casamento, a configurada pela união estável e, ainda, a monoparental.

Em 2010, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu “como entidade familiar merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família”, requisitos valorizados pelas equipes técnicas do Tribunal de Justiça quando recebem requerentes, independente da orientação sexual. Então, antes de contra-argumentarem, é necessário que tais opositores se interem melhor sobre uma realidade evidente.

E talvez o recado que o STF esteja mandando ao Congresso – ao fazer valer os direitos fundamentais e constitucionais da liberdade, da igualdade e da dignidade humana através desta decisão – seja de que uma única visão de mundo não pode reger toda a sociedade.

*Well Castilhos é jornalista, pós-graduado em Sexualidade e Gênero pela UERJ, coordenador de Comunicação Social do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ - http://www.clam.org.br/) e milita pelo movimento LGBT fluminense como presidente do Grupo Liberdade LGBT de São Gonçalo.

Um comentário:

  1. Há diferença também entre o nivel intelectual dos ministros do STF e de nossos deputados. Na Câmara, há até analfabetos, gente que nunca vai ser racional como o pessoal do STF.

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