*Luiz Mello

Em 2008, foi realizada a 1ª Conferência Nacional LGBT, em Brasília, convocada por decreto presidencial, que contou com a participação de representantes dos poderes públicos e da sociedade civil, oriundos de todos os 26 estados do país e do Distrito Federal. A partir das resoluções aprovadas nesta Conferência, foi produzido o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos LGBT, lançado em 2009. Uma das ações contempladas neste Plano era “criar um projeto de cooperação público-governamental de extensão nas escolas públicas, utilizando produções artístico-culturais com temática de sexualidade, diversidade sexual e identidade de gênero, com recorte de raça e etnia, como forma de educar para a cidadania e inclusão” (Ação 1.2.2). Por outro lado, no Documento Final da Conferência Nacional de Educação, realizada em 2010, consta, entre as inúmeras propostas aprovadas na plenária final relativas à população LGBT, a seguinte: “Garantir que o MEC assegure, por meio de criação de rubrica financeira, os recursos necessários para a implementação do Projeto Escola sem Homofobia em toda a rede de ensino e das políticas públicas de educação, presentes no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, lançado em maio de 2009” (p. 145, grifamos).
Qual não foi nossa surpresa, então, quando em 25 de maio de 2011 a presidente Dilma Roussef decidiu vetar a divulgação dos materiais que estavam sendo produzidos no contexto do referido Projeto Escola sem Homofobia, após um encontro com parlamentares conservadores vinculados a grupos religiosos. Para expressar nossa indignação diante das graves implicações decorrentes da decisão insensata de nossa presidente, nós, pesquisadoras e pesquisadores do Ser-Tão, resolvemos divulgar a presente carta. É imperativo que seja garantida a laicidade do Estado e a cidadania de todos os grupos discriminados, como solenemente destacado nos votos dos dez ministros do Supremo Tribunal Federal que, em 5 de maio, reconheceram, por unanimidade, a igualdade jurídica em direitos e obrigações entre casais de pessoas do mesmo sexo e de sexos diferentes.
Não é demais lembrar que a produção acadêmica brasileira e internacional demonstra amplamente, há décadas, que o processo sócio-cultural de produção e reprodução das desigualdades étnicas, raciais, etárias, de classe, de gênero, de sexualidade, sem mencionar as desigualdades regionais, passa pela tentativa de sua naturalização. Uma série de preconceitos a respeito da diversidade sexual, de relações de gênero e étnico-raciais, dentre outros, está fundada em ideologias que buscam justificar desigualdades sócio-culturais baseando-se em supostas diferenças biológicas, orgânicas, inatas. É preciso que se combatam os discursos daqueles e daquelas que, reivindicando de maneira totalitária uma suposta liberdade para a expressão pública de preconceitos, nada mais fazem do que tentar impedir que o debate público em torno do combate à homofobia e garantia dos direitos humanos de pessoas LGBT seja realizado de maneira produtiva e sensata.
Enquanto as políticas públicas no Brasil não forem formuladas e implementadas respeitando-se a laicidade do Estado, continuarão a ser inócuas, crônicas de mortes anunciadas, pois, como disseram muitos sujeitos da pesquisa mencionada no início desta carta, “papel aceita tudo”. Um dos lemas do nascente Movimento LGBT (então chamado de Movimento Homossexual) no Brasil do final dos anos 1970 era “mais amor e mais tesão”. Parafraseando, sugerimos uma nova palavra de ordem, para evitar um retrocesso de décadas na luta pela garantia dos direitos humanos da população LGBT no Brasil: “pela laicidade e mais ação!”. Jamais renunciemos, porém, ao amor e ao tesão.
* Prof. Luiz Mello
Faculdade de Ciências SociaisUniversidade Federal de Goiás
http://www.cienciassociais.ufg.br/
http://www.sertao.ufg.br/
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