
"Eu reduzida a uma palavra? Porém, qual palavra me representa? Uma coisa sim eu sei: é que eu não sou meu nome. Meu nome pertence aos que me chamam. Porém meu nome íntimo é zero. É um eterno começo que interrompe sem parar a minha consciência de começo".
- Belo, não ? Belo e simples. Como deveria ser a vida. Por isso lutamos - afirmou Maria Tereza, arrancando aplausos de um auditório lotado, principalmente por alunos daquela unidade da UERJ.
Claúdio Nascimento mostrou ao público presente os comerciais que estão sendo veiculados em emissoras de rádio e TV, mostrando gays, lésbicas, travestis e transexuais em situações cotidianas.
Well Castilhos falou sobre as diversas formas de discriminação e violência, como o nazismo, o anti-semitismo, o racismo, o machismo e a homofobia. Leia a íntegra da exposição do jornalista e militante:
O Nazismo, o anti-semitismo, o racismo, o machismo e a homofobia
Boa tarde a todas e a todos!
No dia 17 de maio, Dia Mundial de Luta contra a Homofobia, estávamos em Brasília reunidos em um seminário no Congresso Nacional para discutir os avanços na conquista de direitos pelos LGBT, às vésperas da II Marcha Nacional LGBT realizada na Esplanada dos Ministérios, quando o jornal Folha de São Paulo publicou editorial sobre o PLC 122 – que propõe a criminalização da homofobia no país – no qual dizia que “a criminalização da homofobia resulta de um impulso nobre, que objetiva proteger pessoas discriminadas pelo que fazem em sua vida privada. Não pode, porém, servir para cercear liberdades que fundamentam a própria convivência civilizada e democrática”, dando eco àqueles que se opõem ao Projeto de Lei, os quais argumentam que uma lei desta natureza pode cercear a liberdade de expressão. Ora, sabemos que criminalizar a homofobia não significa censurar nenhuma religião ou pessoa, e neste caso a liberdade de expressão está sendo usada como arma de defesa por aqueles que temem perder o direito de... discriminar.
Em “O retrato do anti-semita”, de 1948, escrito portanto três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o filósofo Jean-Paul Sartre diz: “O anti-semitismo não é uma opinião. É uma paixão”, explicando por que o anti-semitismo não pode ser protegido pela liberdade de expressão, exatamente por não tratar-se, segundo ele, de uma opinião. Sartre evocava o fato de uma opinião poder ser mudada, e uma paixão não (segundo definição de dicionário, uma paixão significa “uma emoção de ampliação quase patológica”). De fato, em relação ao nazismo e ao anti-semitismo, todas as leis e medidas em nível mundial surgidas após a Segunda Guerra não garantiram que pessoas, até os dias de hoje, deixassem de defender tais ideologias. Na semana passada, o cineasta Lars Von Trier declarou sua simpatia por Hitler e o seu regime. Isto sem falar nas dezenas de indivíduos que usam seus perfis nas redes sociais para fazer apologia ao nazismo.
E apesar de o nazismo ser crime inafiançável, os simpatizantes a esta ideologia podem, em seus círculos íntimos, preservar esta paixão. Não podem mais é segregar ou matar judeus, negros ou homossexuais. Portanto, as leis contra o nazismo cercearam sim uma liberdade de expressão. A liberdade de expressar sentimentos e atitudes nazistas e anti-semitas.
Em 1989, foi aprovada a Lei 7716, que passou a tratar como crime no Brasil a discriminação e preconceito por cor ou raça. Tal lei, embora não me lembre de ter levantado tanta polêmica na época, cerceou, em certa medida, outra liberdade de expressão. A liberdade de expressar sentimentos racistas.
Portanto, hoje em dia sabemos que o nazismo, o anti-semitismo e o racismo são crimes porque devem ser. Porque levam pessoas a cometerem atos tão chocantes quanto queimar um índio, estuprar uma menininha de 9 anos de idade, ou matar pai, mãe, avós, namorada, esposa ou amante.
Por sua vez, parafraseando Jean-Paul Sartre, eu diria: “A homofobia não pode ser protegida pela liberdade de expressão por que não é uma opinião. É uma paixão. E uma opinião pode ser mudada, ao passo que uma paixão não”. Ou seja, a lei não vai mudar paixões. A lei não vai mudar as posições dos Malafaias e Bolsonaros da vida porque eles não defendem opiniões, mas sim suas paixões. O que um dia pode vir a mudar cabeças é a Educação, e falo da educação básica que se aprende na escola mesmo.
E enquanto não conseguimos uma Educação mais inclusiva ou fazer aprovar uma lei que criminalize atos de discriminação contra gays, lésbicas, travestis e transexuais em nosso país, são iniciativas como a do Programa Rio sem Homofobia que vão, digamos assim, preparando o caminho. Programas como este, ao lado de decisões como a do Supremo Tribunal Federal – de reconhecer as uniões estáveis homoafetivas – e de leis como a Lei Maria da Penha – que coibiu a violência contra a mulher em nossa sociedade – têm um caráter pedagógico e educativo. Mostram que é errado discriminar, xingar, humilhar, caçoar, agredir, matar... E também ensina outras coisas. Por exemplo: há pessoas que nem ao menos sabem o que significa a sigla LGBT. Em recente entrevista dos deputados federais ao programa CQC, um deles afirmou que LGBT significa “leys, guésbicas...” Acreditem! E ironicamente o único que respondeu certo foi o deputado Bolsonaro.
O lançamento do Programa Rio sem Homofobia em São Gonçalo também é importante em nível local. Há algum tempo, caminhava atrás de três alunos de uma escola municipal e um deles passava aos dois colegas os ensinamentos que havia aprendido na escola, com um professor, de que a homossexualidade é pecado. Isto sem falar nas dificuldades políticas que temos em nosso município. Nós, do Grupo Liberdade LGBT de SG, começamos a fazer a Parada do Orgulho LGBT de nossa cidade em 2004, colocando São Gonçalo como primeira cidade a realizar uma Parada fora da capital e a ter um movimento local. Sim, temos esta vanguarda. Mas apesar destes 8 anos de militância na cidade, ainda não conseguimos leis e políticas públicas para este segmento da população gonçalense. Há aqui um forte fundamentalismo religioso que nos impede de avançar muito no campo político.
Bem, voltando ao direito da liberdade de expressão, este é o argumento que tem sido usado como arma por aqueles que se opõem à plena cidadania LGBT. Há muita informação errada circulando, plantada por nossos opositores exatamente para que as pessoas se voltem contra nossos projetos. É a estratégia deles. Um exemplo é a polêmica em torno do kit anti-homofobia na escola, elaborado pelo Ministério da Educação e suspendido pela presidenta Dilma Rousseff por conta da pressão da bancada evangélica da Câmara dos Deputados, que insistem em dizer equivocadamente que tal material é direcionado aos alunos, quando na verdade foi desenvolvido para os professores. Outro exemplo é a informação circulante sobre o PLC 122. Em Brasília, uma repórter de um canal de televisão me disse ter entrevistado um pastor que afirmou que há um artigo no PLC 122 que proíbe pais e mães de incentivarem seus filhos a gostarem e terem atração por pessoas do sexo oposto. Isso não é verdade. No projeto não há sequer a menção da palavra “homofobia”, mas sim coloca a discriminação por orientação sexual dentro de um conjunto de outras discriminações que deveriam ser passiveis de punição, como a discriminação por raça e cor ou aquela cometida contra pessoas idosas.
Antes de falarmos em “cerceamento da liberdade de expressão”, temos que saber primeiro de que “expressão” estamos falando. Expressão nazista? Expressão racista? Expressão machista criminosa? Expressão homofóbica? A sociedade já viu o quanto as três primeiras são nocivas à humanidade. Já existem leis para coibir o nazismo, o racismo e, no caso brasileiro, existe a Lei Maria da Penha para coibir a violência machista contra a mulher. Agora lutamos para que se perceba quão nefasta e fatal é a expressão homofóbica. Ou alguém aqui tem dúvida que o assassinato de uma pessoa por conta de sua orientação homossexual seja tão grave quanto queimar um índio, estuprar uma menininha de 9 anos de idade, ou matar pai, mãe, avós, namorada, esposa ou amante? São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. Segundo estudo do antropólogo e militante Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia (GGB) três homossexuais são assassinados no Brasil a cada 10 dias. Como nos diz Frei Beto, “a urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, gays, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que se aprende na escola, na família, entre amigos e instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização”. Espero que nossos senadores levem isso em conta na hora de analisar e votar no PLC 122.
Enquanto isto não acontece, o Programa Rio sem Homofobia cumpre seu papel. É através deste tipo de iniciativas que aprendemos o significado negativo da palavra PRECONCEITO e o significado positivo da palavra RESPEITO. E por favor, não me venham com a desculpa do cerceamento da liberdade de expressão, pois, como bem nos ensinou Sartre, ao falarmos em nazismo, anti-semitismo, racismo, machismo e homofobia, não estamos falando de opiniões, e sim de paixões. E a quem se opõe à cidadania homossexual, um recado: o seu direito estará resguardado de expressar sua paixão dentro de sua casa. Mas publicamente não, e sabe por quê? Porque o seu direito termina quando começa o do outro. Está claro que estamos vivendo uma batalha, onde de um lado estão aqueles que lutam pelo direito à liberdade e a uma vida digna, livre da discriminação e da violência. E do outro lado estão aqueles que, em nome de um Deus que segrega e faz acepção (distinção, exclusão) de pessoas, lutam pelo direito de discriminar. E aqui então pergunto aos presentes: de que lado você está?
Muito obrigado!
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