sexta-feira, 23 de agosto de 2013

VEM PRA RUA COM A GENTE LUTAR CONTRA A HOMOFOBIA



Lésbicas – da ilha de Lesbos a Daniela Mercury



Lésbicas – da ilha de Lesbos a Daniela Mercury
VIVA O MÊS DA VISIBILIDADE LÉSBICA

O dia 29 de agosto é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, comemorado desde 1996 a partir da realização naquele ano do I SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas no Brasil. Assim, o agosto ficou conhecido pelo movimento LGBT como mês da Visibilidade Lésbica. Não à toa, o mês foi escolhido para a estreia do filme Flores Raras, que conta a história do relacionamento da paisagista e urbanista Lota de Macedo Soares (interpretada por Glória Pires) com a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) .

Não à toa também, nós, da Subsecretaria de Políticas da Sexualidade (SDHC de Maricá) escolhemos este mês para receber a militante Neuza das Dores Pereira (Conselheira Estadual LGBT do RJ/Ong Coisa de Mulher)  para ministrar a palestra “História da Luta Lésbica no Brasil”, na Casa de Cultura de Maricá na terça-feira, 20/8.

“Há várias formas de se contar essa história. Fala-se muito da ilha grega de Lesbos, mas na verdade as mulheres iam para lá para aprender a escrever poesia. No Brasil o movimento surgiu na década de 1970 com o Grupo SOMOS, de São Paulo. Nessa época houve também o primeiro Manifesto Lésbico, o Xana com Xana e o surgimento do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), e outros grupos começaram a surgir a partir daí. Hoje as lésbicas estão organizadas politicamente”, relatou Neuza.

Neuza contou também por que, mesmo entre todas as identidades LGBT, as lésbicas talvez sejam as mais excluídas e solitárias. “Se o movimento de mulheres já trouxe a possibilidade de gerenciamento da sexualidade feminina dissociada da função procriativa, as lésbica vão além. Elas desafiam as imposições de papéis de gênero – o papel da mulher e o que a sociedade espera dela (casar, ter filhos etc) e seu papel na relação com o homem. Elas derrubam vários mitos e desafiam a cultura patriarcal” .

Como fez a cantora Daniela Mercury recentemente, ao declarar publicamente que estava apaixonada ia se casar com outra mulher. Viva nossas amigas lésbicas! Viva o mês da Visibilidade Lésbica!

A palestra abriu a programação do Mês da Visibilidade Lésbica, que inclui ainda:

Dia 27 de agosto – Debate “Saúde da Mulher Lésbica”, na Casa de Cultura, às 17h.
Dia 29 de agosto – Sessão Solene na Casa de Cultura com Mesa composta por Rosângela Zeidan, primeira-dama do município, Sergio Mesquita, Secretário de Cultura, Miguel Moraes, Secretário de Direitos Humanos e Cidadania e Márcia Marçal, advogada e representante lésbica da nossa Subsecretaria, além de Conselheira Estadual LGBT.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O significado do silêncio

A atenção aos pobres e as desigualdades sociais protagonizaram as declarações do papa Francisco durante sua visita ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, prevalecendo sobre temáticas de moral sexual mobilizadas com mais freqüência e veemência no papado anterior de Bento XVI. Em uma semana, o papa conclamou os jovens a serem revolucionários (no sentido de não aceitarem a ideia do casamento sacramentado como algo fora de moda), falou em “humanismo na economia”, fez uma autocrítica em relação ao distanciamento da Igreja para com os fiéis – para ele, motivo da notória perda de seguidores em todo o mundo – e chegou a louvar a importância da laicidade do Estado para o convívio pacífico entre diferentes religiões.

Ao contrário do que se esperava, Francisco não aproveitou a oportunidade de passar aos jovens lições da moral católica, preferindo calar-se sobre temas como casamento gay, aborto e uso de métodos contraceptivos. Apenas em sua viagem de volta à Roma, em entrevista a jornalistas presentes no mesmo vôo, o papa tocou em assuntos como a homossexualidade e o papel da mulher na Igreja. Sobre este último disse que as mulheres têm um papel essencial na Igreja, embora o pontífice tenha se mantido contrário à ordenação. Sobre a homossexualidade, disse: "Se uma pessoa é gay e busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?"

Foi o bastante para que Francisco ganhasse a simpatia de representantes de movimentos LGBT brasileiros, que viram com bons olhos as declarações do papa e entenderam o posicionamento como um sinal de abertura e diálogo.Muitos deles afirmaram-se esperançosos, acreditando que a mensagem do papa possa vir a contribuir para o combate à discriminação. Mas até que ponto as declarações do papa sobre alguns temas e o seu silêncio sobre outros representam realmente alterações significativas no rumo e na doutrina da Igreja Católica? Que efeitos a visita de Francisco pode trazer na maneira como algumas questões serão tratadas no cotidiano pastoral da Igreja daqui para frente?

Para Sérgio Carrara, antropólogo e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, não é possível afirmar que haja uma mudança doutrinária em termos de moral sexual. “A fala do Papa sobre os gays não significa uma alteração no sentido que a homossexualidade possui na doutrina. Não foi uma declaração que negasse a ideia de pecado que define a relação entre pessoas do mesmo sexo. Pela declaração, não fica claro a opinião do papa sobre o tema”.

Opinião semelhante a da co-coordenadora do Sexuality Policy Watch (SPW) Sonia Corrêa. “A rigor, não houve alterações do ponto de vista doutrinário. A ideia de pecado permanece. O que se pode apontar como diferencial é a ênfase na compaixão e na misericórdia. Ainda assim, uma compaixão que aparece atrelada à fé, possibilitada por aquele que busca a Deus, nas palavras do papa”, observa.

Para um membro do grupo Diversidade Católica, que prefere não se identificar, a fala do Papa Francisco sobre homossexualidade representa uma grande mudança. “Francisco usa o termo ‘gay’ e não ‘homossexual’, que aparece na doutrina oficial como um termo hostilizado. Há, nesse sentido, a incorporação de um vocabulário da militância pelo líder da Igreja Católica. Também acredito que não há avanço em termos doutrinários, mas não se pode descartar o tom positivo de acolhida que se vê na fala do papa. Há uma mudança no tom que propicia condições para potencializar mudanças”, acredita o integrante da Diversidade Católica.

A mensagem do Papa para os gays não pode ser analisada separadamente da observação subseqüente do pontífice. Francisco afirmou que o problema não é ter essa tendência [a homossexualidade], mas sim o lobby [gay], comparando ao lobby de pessoas avaras, da maçonaria e dos políticos. Não fica claro, porém, se a referência é ao lobby dentro do Vaticano ou a grupos de advocacy dos direitos LGBT. “O Papa parece sugerir um contraste entre a politica "negativa" que segundo ele é praticada por lobbies elitistas - os avaros, os políticos, os maçons e os gays - e a conexão não elitista da igreja com as classes subalternas. Essa retórica, entre outras coisas, oculta as práticas de pressão política da Igreja e do próprio Vaticano sobre e por dentro dos estados. Aaprovação da Concordata Brasil Vaticano em 2009 é uma ilustração cabal que a Igreja também faz lobby", afirma Sonia Corrêa.

A despeito da histórica oposição do Vaticano às perspectivas dos direitos sexuais e reprodutivos – como o uso da camisinha e da pílula, por exemplo –, na prática, a vida dos católicos nem sempre está em acordo com as recomendações morais da Igreja. Pesquisa divulgada pelas Católicas pelo Direito de Decidir durante a JMJ mostrou que o uso de pílula anticoncepcional é aceito por 82% dos jovens católicos. Além disso, 56% dos jovens mostraram-se favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Hierarquização de questões

Apesar do silêncio de Francisco em relação a temas como aborto, homoconjugalidade e homoparentalidade, durante a Jornada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) distribuiu um manual de bioética em que condena a interrupção da gravidez, métodos contraceptivos, e a união e adoção por pessoas do mesmo sexo.
De acordo com Sonia Correa, do SPW, a repercussão das declarações do papa durante a entrevista no avião demonstra como o Vaticano atua de maneira hábil nas suas falas e ações. “O discurso de não julgamento aos gays vai na contramão do que está no manual de bioética. Mais ainda, contradiz a atuação do Papa Francisco em seus tempos de cardeal na Argentina, quando atuou contra o casamento igualitário. Recentemente, em sua primeira encíclica também reiterou visões tradicionais de gênero e uniões afetivas. Impressiona como as palavras dele tiveram um significativo poder para obscurecer o que está escrito. Há uma estratégia midiática habilmente planejada. Como uma entrevista consegue se tornar a verdade última?”, observa Sonia Corrêa.

O papa, durante a JMJ, falou em laicidade, no sentido de uma convivência pacífica entre as diversas religiões, e não como o princípio de separação entre o poder político e administrativo do Estado e o poder religioso. Sobre essa abordagem, Sérgio Carrara avalia que é uma posição interessante pelas implicações que isso pode trazer. “A declaração traz a questão da laicidade para a convivência entre doutrinas diferentes. No entanto, quando isso se volta para a laicidade enquanto princípio jurídico, é possível refletir sobre determinadas implicações. A separação entre Estado e Igreja tem sido um argumento mobilizado por movimentos sociais para promover e garantir direitos sexuais e reprodutivos. Portanto, é possível deduzir que o comentário pode trazer contribuições para o diálogo com minorias”, argumenta Sérgio Carrara.

A não tematização de determinados assuntos deve ser olhada também com atenção. Seria uma sinalização que enseja o debate sobre assuntos sensíveis? Não se viu declarações sobre aborto ou contracepção, por exemplo. De acordo com Sérgio Carrara, o foco do papa tem sido a desigualdade social e a pobreza, cujo destaque tem deixado de lado questões ligadas à moral sexual. “As falas do Papa apontam para alterações sutis. Embora nada novo em termos de doutrina tenha sido proposto, é possível avaliar que exista um deslocamento na hierarquia das questões, como se ele apontasse que aquilo que diz respeito à sexualidade fosse uma questão de foro íntimo. A Igreja, nesse sentido, estaria sinalizando um deslocamento de ênfases”, analisa Sérgio Carrara.

O silêncio de Francisco, avalia o integrante da Diversidade Católica que prefere o anonimato, é muito emblemático. “O papa tem demonstrado, desde que assumiu, que as posições da Igreja sobre moralidade sexual já são suficientemente conhecidas. Assim, ele parece se abster de retomar as proibições morais. Ao fazer isso, deixa aberto um caminho de diálogo”, observa.

Talvez o silêncio do papa signifique que ele – Francisco – não esteja querendo reiterar as velhas posições da Igreja. Não que ele esteja se afastando da doutrina tradicional, apenas está evitando insistir nela.

terça-feira, 30 de julho de 2013

"Santo padre, o senhor seria a favor da criminalização da homofobia?", deveria ser a pergunta


"Se uma pessoa é gay e busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", disse o papa Francisco em sua viagem de volta à Roma depois da Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro.
A mensagem é esperançosa e coerente, principalmente vinda de um papa que, em seus diversos discursos durante a JMJ, apregoou, entre outras coisas, o diálogo e uma maior aproximação da Igreja com as pessoas.
  
No entanto, é bem verdade que não há nada de inovador em Francisco afirmar que é preciso acolher as pessoas com "tendências" homossexuais, e que estas não podem ser marginalizadas mas sim integrados à sociedade. Sabe-se que a Igreja Católica traça uma distinção entre "tendência" e prática, ou seja, homossexuais sempre foram aceitos por esta religião, desde que não se deixem levar por seus desejos para não agirem daquela maneira. Em outras palavras, acolhe-se o pecador mas condena-se o pecado.
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Na visão católica, a prática homossexual é que é um pecado, e não a "tendência" à homossexualidade em si. Um pecado como qualquer outro, aliás. Como é o adultério cometido por pessoas heterossexuais casadas, por exemplo. Assim, um homem heterossexual casado pode apenas desejar outra mulher, desde que não parta para a prática do adultério. Todos sabem, inclusive a Igreja, que é difícil evitar o desejo por outra pessoa mesmo sendo casado(a), mas o que se deve fazer, segundo a Igreja, é evitar que esse desejo se transforme em traição.

Outra coisa: é preciso analisar também a frase seguinte, dita pelo papa: "O problema não é ter essa tendência [à homossexualidade]. Não! O problema é fazer lobby".

Acredito que abordar a questão da homossexualidade, mesmo que sob o viés da "misericórdia" e da "tolerância", eventualmente pode vir a ter efeitos importantes na maneira como a questão é encarada cotidianamente pela Igreja. Mas por outro lado, não acredito que pessoas LGBT vão deixar de uma hora para outra, por conta das declarações do papa, de serem discriminadas ou assassinadas. Restou saber do papa se ele seria a favor da criminalização da homofobia, por exemplo. Ou se ele acha que "criminalizar a homofobia" faz parte do lobby gay, problemático para ele.

Para mim, concordo com Frei Betto: No Brasil, o problema é o lobby anti-gay, liderado em geral pelas próprias igrejas, e grande insuflador da violência homofóbica e das violações dos direitos humanos dos homossexuais no país.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Tempos de censura

O Ministério da Saúde brasileiro suspendeu esta semana uma campanha de prevenção destinada às prostitutas e demitiu o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatite Virais, Dirceu Greco. O recuo faz parte de um conjunto de ações preocupantes relativas ao campo da saúde – como a suspensão de campanha de prevenção à Aids voltada a jovens gays no Carnaval de 2012, a malfadada Medida Provisória 557, o Estatuto do Nascituro e a proposta de internação compulsória de dependentes de drogas –, medidas resultantes do comprometimento do governo com a "aliada" bancada evangélica em troca de apoio e votos para garantir futuras eleições. Em nome desta “aliança”, o governo vem ignorando a participação popular, colocando em risco avanços conquistados e, sobretudo, a laicidade do estado.

Composta por banners e vídeos, a iniciativa era desdobramento de oficina realizada em março por profissionais do sexo, e foi pensada como forma de combater o preconceito contra as prostitutas e estimular a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, aproveitando o mote do Dia Internacional das Prostitutas (2 de junho). O material trazia mensagens do tipo “Eu sou feliz sendo prostituta” e “Sem vergonha de usar camisinha”.

Como tem sido costume quando temas envolvendo direitos sexuais e reprodutivos são agendados pelo governo, parlamentares da bancada evangélica rapidamente se manifestaram contra a campanha, através de declarações do tipo ”Esse governo tem uma capacidade de buscar uns temas que me assusta. Não tem outra política pública decente para fazer? Já vejo os títulos das próximas campanhas. Sou adúltero, sou feliz. Sou incestuoso, siga-me. Sou pedófilo, sou feliz, sou realizado" e“a mulher não nasceu para ser prostituta, nasceu para ser mãe de família”.
Para o médico e assessor da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) Juan Carlos Raxach, o recuo do Ministério da Saúde é, acima de tudo, um risco à saúde pública. “O governo tem funcionado em prol da moralidade. As prostitutas são um segmento em situação de vulnerabilidade social. O estigma afeta diretamente a saúde delas. A ação do Ministério lembra o período inicial da epidemia do HIV, quando a doença esteve, por uma lógica moralista, fortemente vinculada à homossexualidade, obrigando movimentos sociais a cobrar respostas”, afirma Juan Carlos.

Nos últimos tempos, a Saúde tem estado estrategicamente na mira dos setores conservadores, já que neste campo o Brasil tem sido detentor de reputação internacional, em função de avanços promovidos no campo da saúde sexual e reprodutiva, especialmente nas políticas de enfrentamento à Aids – onde o país tornou-se modelo no mundo – e as relativas ao planejamento familiar. A pressão de setores conservadores, no entanto, tem surtido efeito nas políticas encaminhadas pelo governo. Ano passado, o governo retirou de circulação campanha voltada para a prevenção do HIV/Aids entre jovens gays. E, mais recentemente, em março deste ano, o governo também suspendeu a distribuição de kit educativo sobre Aids nas escolas. Esta semana, a Comissão de Finanças da Câmara do Deputados aprovou o Estatuto do Nascituro que concede proteção jurídica ao embrião e atinge especialmente o direitos ao aborto.

Em nome da aliança parlamentar e dos arranjos eleitorais para o próximo pleito nacional (2014), o governo tem privilegiado o compromisso com segmentos conservadores e fundamentalistas, o que tem colocado em xeque, além da laicidade do Estado, avanços importantes no campo da saúde, como a prevenção ao HIV/Aids, o combate à homofobia, a saúde reprodutiva feminina e os modelos médicos e assistenciais relativos à saúde mental.
“É triste e preocupante o contexto atual. E uma incoerência muito grande, pois a área da saúde muito ajudou na construção de respostas sociais para a questão do HIV”, afirma Juan Carlos Raxach.

De acordo com doutor em medicina social Veriano Terto, as questões de saúde tornaram-se uma via fácil de manipulação pela ótica da moral. “Isso tem um preço alto, que é afetar a saúde das pessoas, levando muitas vezes a se aniquilar até mesmo o direito à autonomia e à liberdade, exigindo a exclusão das prostitutas do rol de ação do Estado”, observa o e ex-coordenador da Abia. Outro problema grave, segundo Veriano, é o fato de o governo federal – paradoxalmente um governo dito de esquerda – estar ignorando a participação popular. “o governo não tem ouvido a sociedade civil, nem dado atenção às demandas de minorias marginalizadas. Por causa de conveniências políticas e eleitorais, coloca-se de lado direitos já conquistados, e a sociedade civil fica cada vez mais alijada das discussões e decisões”.


  A suspensão da campanha repercutiu negativamente entre movimentos sociais. O ex-diretor do     Depto de DST, Dirceu Greco (foto), afirmou que enxerga uma “situação nacional e internacional        conservadora”. Para Greco, “em qualquer situação, o papel que o gestor de saúde tem é separar   o que é saúde, do ponto de vista lato, do que é decisão individual em relação à religião. São      situações completamente separadas. Se você é um fundamentalista e quer andar de burca, é    um direito seu. Mas não pode ir contra mim por eu não ser desse jeito”, afirmou em entrevista ao   jornal O Globo.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O cinema encaretou Cazuza e Renato Russo - Carta Capital

Dois ídolos, duas cinebiografias e algo em comum: a tentativa de amenizar a homossexualidade de ambos. Em cartaz nos cinemas, Somos Tão Jovens, de Antonio Carlos da Fontoura, sobre a vida de Renato Russo, comete exatamente o mesmo erro de Cazuza - O Tempo Não Pára, de Sandra Werneck e Walter Carvalho, de 2004. A homossexualidade assumida de Renato, assim como a de Cazuza, é transformada em uma bissexualidade que não houve em nenhum dos casos. É como se, ao apresentar os dois à juventude atual, os diretores/produtores quisessem torná-los mais palatáveis, quase “normaizinhos”, algo que tanto um quanto o outro odiariam.

Cazuza e Renato Russo se foram cedo deste mundo, vítimas da Aids: Cazuza, em 1990; Renato, em 1996. Em sua vida louca, vida breve, nenhum dos dois jamais almejou ser modelo de comportamento para ninguém. Qual é! Renato brigou do palco com um estádio inteiro, o Mané Garrincha, em 1988. Cazuza mostrava a bunda para a platéia em suas últimas apresentações. Eram autênticos, verdadeiros, viscerais. Nunca abriram mão de suas convicções e de sua loucura poética, até o último momento.

Na época em que foi lançado o filme de Cazuza, o próprio pai do cantor, João Araújo, veio a público criticar os cortes nas cenas de sexo. ”Quiseram ter muito cuidado com o lado homossexual de Cazuza. No que começaram a tomar cuidado demais, para não transparecer e para não virar filme proibido para menores, afastaram-se bastante da realidade”, disse Araújo aos repórteres Pedro Alexandre Sanches e Silvana Arantes, da Folha de S.Paulo. Parceiro de Cazuza no Barão Vermelho, Roberto Frejat estranhou o tratamento dado no filme ao amigo, que aparece transando com mulheres. “Nunca vi prática heterossexual nele. Teve, sim, mas quando não estava completamente convencido de ser gay, bem antes de me conhecer”. Sintomaticamente, Ney Matogrosso, amigo íntimo e ex-namorado de Cazuza, simplesmente desapareceu da versão final.

Com o líder do Legião Urbana a coisa foi parecida – com a diferença de que o filme sobre Cazuza é razoável, e o sobre Renato, ruim. Um desperdício, aliás, porque encontraram um ator, Thiago Mendonça, bastante semelhante a Renato Russo e com boa voz para viver o protagonista, mas o filme se perde em um roteiro fraco, digno da série Malhação se fosse feita pela Record.

Todo mundo que conviveu com Renato em Brasília sabe que ele era muito menos comportado (para dizer o mínimo) do que o garoto sensível e “família” retratado no filme. E que, apesar de ter escrito “gosto de meninos e meninas”, seus casos mais notórios sempre foram com homens. Em Somos Tão Jovens, provavelmente também para fugir da censura 18 anos, como aconteceu com o filme de Cazuza, a questão gay se transforma em algo lateral na vida de Renato e a história se centra em uma personagem feminina que nunca existiu, espécie de amiga-namorada do jovem compositor.

Pior: Renato transa com Aninha, mas não aparece beijando um homem na boca nem uma só vez no filme, como se fosse bacana para uma obra cinematográfica se pautar pelos mesmos (e condenáveis) parâmetros das novelas das nove globais. Os produtores podem até recorrer à desculpa de que o filme aborda a época anterior à fama de Renato Russo, ainda adolescente: é o “retrato do artista quando jovem”, já que o longa termina quando o Legião Urbana começa a fazer sucesso. Mas, mesmo neste período, é conhecido o fato de que o cantor já tinha um namorado fixo. Homem. Então não se trata de licença poética, mas de uma mentira contada a platéias adolescentes inteiras. Renato não tinha nada do menino pueril que aparece no filme. E era gay. Não “mais ou menos gay”. Ponto.

Para os fãs mais velhos de Renato e de Cazuza, fica na boca um gosto de traição. Por que os filmes feitos sobre os nossos ídolos precisam suavizar as biografias deles? Qual o problema em escancarar que eles tinham uma vida louca, sim, que experimentaram drogas, que bebiam e que eram felizmente gays, assumidos? Sinal dos tempos neoconservadores que vivemos? Como diria Cazuza, vamos pedir piedade, Senhor, piedade. Para essa gente careta e covarde.

Agora é pra valer!

No Dia Mundial de Combate à Homofobia – 17 de maio, o Desembargador Valmir de Oliveira Silva, Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, publicou com data retroativa a 16 de maio de 2013, através do aviso da CGJ nº 632/2013, que os cartórios do Estado do Rio de Janeiro cumpram a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e realizem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Dessa forma, não haverá mais a necessidade de enviar os pedidos para a avaliação do juiz. O desembargador já havia, em abril deste ano, aprovado a habilitação direta para o casamento civil homoafetivo no Estado, mas, na prática, a decisão ainda dependeria do juiz de cada comarca.

Agora o aviso altera o procedimento. O primeiro artigo do aviso da CGJ 632/2013 diz que "os processos de habilitação de casamento entre pessoas do mesmo sexo deverão observar o disposto no artigo 1526 e parágrafo único do Código Civil, sendo vedado aos senhores titulares, delegatários, responsáveis pelo expediente e interventores dos serviços extrajudiciais com atribuição de registro civil de pessoas naturais impugnar o pedido com único fundamento da identidade de sexo."

O presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais – ARPEN – do Rio de Janeiro, Luiz Manoel Carvalho dos Santos, disse que “esse aviso do Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na prática, revoga a portaria que determina que os pedidos de casamento de casais homossexuais devem ser enviados para a avaliação dos juízes. Os cartórios não precisarão mais fazer esse procedimento. Dessa forma, o direito dos casais homoafetivos ao casamento está garantido no estado do Rio de Janeiro, seguindo a determinação do Conselho Nacional de Justiça”.

Clique aqui para ler a matéria "Casamentos homoafetivos agora valem no papel", publicada no jornal O São Gonçalo deste domingo, 26/05/2013