
Ser bi está na moda?
A bissexualidade está na moda, e já faz alguns anos. Os jovens, em particular, têm se assumido mais frequentemente como tal, e isso não é achismo ou sensacionalismo da imprensa. O assunto tem sido alvo, inclusive, de pesquisas acadêmicas. Resultados da pesquisa Política, Direitos, Violência e Homossexualidade (CLAM/CESEC), realizada na Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro em 2004, mostram que os homens e mulheres que se declararam “bissexuais” continuam a se concentrar entre os mais jovens: 24% dos entrevistados com até 21 anos, enquanto apenas 12,6% dos que tinham 40 anos ou mais fizeram o mesmo.
“Não podemos assegurar se essa concentração de bissexuais entre os mais jovens é efeito de processos relacionados ao ciclo de vida, já que nessa faixa etária as identidades poderiam não estar ainda claramente estabelecidas, ou se estamos vendo firmarem-se nestas gerações novas formas de identidades sexuais”, dizem os coordenadores da pesquisa, antropólogo Sergio Carrara e socióloga Silvia Ramos.
Uma novidade que tem sido notada entre as meninas em casas noturnas freqüentadas por jovens heterossexuais é beijar outras meninas... na boca. O assunto “Meninas que beijam meninas” (sem assumirem-se necessariamente como lésbicas) tem sido tema de reportagens e capa de revistas direcionadas ao público teen. Na TV, num dos episódios do seriado Sex and the city, a protagonista Carrie (Sarah Jessica Parker) se envolve com um homem mais jovem e bissexual. Ao comentar o caso, a amiga Samantha (Kim Catrall) afirma que a juventude está going bi – em português, tornando-se bissexual.
Recentemente, o jornal O Estado de São Paulo publicou matéria sobre outra pesquisa, desta vez um estudo psicológico recém-publicado, que constatou que a bissexualidade feminina não é uma fase de transição entre a heterossexualidade e a lesbiandade, mas sim uma orientação sexual específica.
Pesquisadores estudaram 79 mulheres não-heterossexuais, entre 18 e 25 anos, ao longo de uma década e observaram que as bissexuais mantiveram-se com atração tanto por homens quanto por mulheres durante todo o período.
Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, não se trata de uma fase de transição, porque, se fosse, devia ter se resolvido num período de dez anos. Leia a íntegra da matéria em http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art111041,0.htm
Agora, a revista Época publica matéria sobre o tema assinada por Martha Mendonça e Fernanda Colavitti, a qual reproduzimos abaixo:
Ser bi está na moda
As artistas dizem que são bissexuais. As meninas ficam com outras meninas. Alguma coisa está mudando ou é tudo marketing e imitação?
MARTHA MENDONÇA E FERNANDA COLAVITTI
LESBIAN CHIC
Elas são bonitas, femininas, vaidosas. E gostam umas das outras. Ao menos é o que dizem – e dizem cada vez mais. Em três semanas consecutivas de maio, três estrelas americanas famosas revelaram que sentem atração pelo mesmo sexo. Megan Fox, símbolo sexual da nova geração, afirmou que prefere as mulheres por serem mais “limpinhas”. O furacão Fergie, do Black Eyed Peas, disse que gostou de experimentar moças. A performática Lady Gaga confirmou sua bissexualidade – e aproveitou para lançar um clipe da nova música beijando outra mulher. Em abril, fora a vez de Kelly McGillis, musa dos anos 80.
A jovem atriz americana Lindsay Lohan, ídolo teen do cinema, não tem escondido sua dor de cotovelo depois que a namorada, uma DJ, a abandonou. Isso sem falar na megaestrela Angelina Jolie, que, antes de se tornar mãe de família, alardeava sua bissexualidade (Brad Pitt acreditou, mas na cama do casal, em vez de outras mulheres, há cada vez mais crianças). No Brasil, Preta Gil não cansa de se rotular como “total flex”. Afinal, trata-se da liberação de um desejo feminino ou de estratégia de marketing?
Para os especialistas, as duas respostas estão corretas. O erotismo que envolve duas mulheres é infalível em termos de mídia – graças à curiosidade geral sobre a homossexualidade e ao fato de ser a fantasia número um dos homens. Mas a natureza feminina, mais flexível e com menos defesas em relação à afetividade, acaba proporcionando uma liberdade maior no campo sexual – sem que necessariamente haja rotulações. “Viver uma ou outra experiência com alguém do mesmo sexo é diferente de ser bissexual”, afirma Carmita Abdo, psiquiatra e coordenadora do Projeto Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP). “Nem todas as pessoas crescem com uma definição tão absoluta quanto à orientação sexual. Muitas vezes é preciso amadurecer para chegar a uma identidade. E hoje existe uma maior permissividade para a experimentação.” Lançado no ano passado, o livro Look both ways (Olhe para os dois lados), das terapeutas americanas Elizabeth Oxley e Claire Lucius, vai na mesma direção. Para as autoras, homens e mulheres têm a mesma curiosidade sobre o mesmo sexo. Mas as mulheres, que não têm barreiras em beijar e abraçar confortavelmente suas amigas, migram mais facilmente para o teste sexual. Até aí, tudo bem. Mas é mesmo necessário contar tudo na primeira entrevista?
“É marketing total”, diz a webdesigner paulista Del Torres, idealizadora do Leskut – um site de relacionamentos só entre meninas que, em nove meses, já tem 14 mil participantes. Lésbica assumida, 29 anos, ela diz que, quando existe o desejo verdadeiro, o comportamento é discreto. “As celebridades estão cansadas de saber que esse tipo de declaração chama a atenção, além de torná-las modernas e mais interessantes.” Del lembra a história da dupla de rock russa t.A.t.U. Em 2004, as duas meninas já haviam vendido mais de 2 milhões de CDs, alardeando a ideia de que eram namoradas. No clipe mais famoso, da música “All the things she said” (“Todas as coisas que ela disse”), mostravam o sofrimento por um amor proibido. Usando uniforme de estudantes. Na chuva. “Quando a dupla se desfez, uma delas engravidou do namorado secreto, com quem está casada até hoje”, diz Del. Agora querem voltar a gravar juntas e já avisaram, em entrevista recente: “Quando bebemos, ainda ficamos”.
Não há dúvida de que mulher com mulher dá audiência. Há quem diga que tudo começou com o beijo cinematográfico que Madonna deu em Britney Spears no Video Music Awards, em 2003. Não foi um selinho. Justin Timberlake, ex de Britney e a caminho, na época, de tornar-se parceiro musical de Madonna, não conseguiu disfarçar o choque, registrado pelas câmeras. Hoje, apenas cinco anos depois, talvez já achasse normal.
Há uma epidemia de beijos femininos na mídia, das brasileiras do axé Daniela Mercury e Alinne Rosa, na gravação de um DVD no ano passado, às francesas Sophie Marceau e Monica Bellucci, nuas e abraçadas na revista Paris Match deste mês. No último Big brother, a sensação foi o selinho debaixo d’água de Priscila e Milena, que bateu recordes nos sites de notícias. O recém-formado grupo nacional Sexy Dolls anunciou, em seu primeiro clipe, um “beijo triplo”. O vídeo ficou quase uma semana entre os mais vistos do portal Globo.com. Até Woody Allen não resistiu e colocou no filme Vicky Cristina Barcelona uma cena em que Scarlett Johansson beija Penélope Cruz – acontecimento que foi badalado insistentemente anos antes de o filme entrar em cartaz.
Quando uma menina diz que é bissexual,
ela talvez nem saiba direito do que está falando
MARA PUSCH, psicoterapeuta
Jules Falquet, lésbica assumida, usa um nome masculino para embaralhar as questões de gênero
Tenta-se, com isso, chegar ao ponto em que o gênero seja tornado irrelevante – no esporte, no trabalho, no amor, no casamento, na criação dos filhos e, agora, até na infância – , sempre ao amparo da ideia, jamais comprovada, de que homens e mulheres são iguais e comportam-se de maneira diferente apenas pela educação e pela reclusão de papéis sociais. Recusar essa premissa discutível tornou-se uma atitude politicamente incorreta – com efeitos na vida pessoal. Uma mulher que insista em ser tratada com cortesia ou um sujeito que faça questão de agir como cavalheiro podem ser percebidos como perigosos reacionários. No começo deste ano, o Departamento de Educação de Nova York, nos Estados Unidos, foi ameaçado de processo por três escolas públicas de ensino médio que reclamavam de a temporada de futebol feminino estar marcada para um período alternativo, enquanto os meninos jogavam na fase principal. Houve apoio de organizações de direitos civis e da National Organization for Women, importante entidade feminista. O caso sugere que qualquer discussão de gênero pode virar polêmica.
No campo da psicologia, as características atribuídas a homens e mulheres passam por revisões radicais. No ano passado, um estudo da Universidade da Pensilvânia mostrou que, hoje, as lágrimas masculinas são mais aceitáveis que as femininas. Os pesquisadores exibiram aos entrevistados imagens de homens e mulheres chorando. O choro masculino foi considerado mais positivo e consistente, enquanto o das mulheres não foi tão bem visto. A derrubada do “homem não chora” e a censura à decantada fragilidade feminina são fenômenos deste período de transição, segundo a sexóloga carioca Regina Navarro Lins, autora de A cama na varanda. “Os homens podem chorar, cozinhar, cuidar dos filhos, e as mulheres ser empreendedoras”, afirma. Um toma o lugar do outro, destruindo estereótipos. “Existe uma tendência à androginia, no sentido de não haver mais características marcantes do gênero”, diz.
Criado pelo feminismo, o movimento contra a discriminação de gênero foi positivo de várias maneiras. Mudou o conceito de paternidade, abriu mercado de trabalho para as mulheres, criou a moda unissex e, principalmente, ampliou como nunca a liberdade sexual. O consagrado historiador britânico Eric Hobsbawm escreveu no livro A breve história do século XX que o maior feito do século foi a libertação das mulheres. Agora, a psicóloga Mara Pusch, da Universidade Federal de São Paulo, teme a radicalização daquilo que começou como uma ideia de direitos iguais para homens e mulheres e, depois, ampliou-se para a inclusão da população homossexual. “A liberdade existe a partir do momento em que temos escolhas, e não a partir da destruição da identidade”, diz ela. Mara diz que há na sociedade uma pressão que ela considera normal pela experimentação (caso do fenômeno mundial de meninas se beijarem ou terem relações, sem necessariamente definir sua opção sexual) e uma outra forma de pressão que resvala para o fanatismo. “Há o risco de que o culto da liberdade se transforme em exagero, aberração”, afirma. O caso de Pop sugere que isso já está acontecendo.
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