
As confusões da semântica LGBT
*Well Castilhos
O Dia da Visibilidade Lésbica se comemora desde 1996, quando as lésbicas reunidas no I Senale (Seminário Nacional de Lésbicas) decidiram estabelecer o 29 de agosto como essa data afirmativa. Desde então, há pessoas – opositores políticos ou pessoas do próprio movimento LGBT e da Academia – que questionam a existência de datas especiais para as chamadas minorias (se bem que eu não acredito que negros, gays e mulheres sejam minorias). Realmente, a fragmentação pode nos chatear a uma primeira vista, a um primeiro olhar. Neste sentido vale a pena ler a entrevista da antropóloga argentina Andréa Lacombe e o artigo da brasileira Regina Facchini no website do CLAM (www.clam.org.br), projeto que desenvolvo na UERJ. Ambas analisam o valor de datas como essa e afirmam que, em suas pesquisas, as mulheres que entrevistam – que têm relações homoeróticas com outras mulheres – não usam o termo “lésbica” em seus cotidianos, não se identificam ou autodefinem como tal. Preferem termos como “do babado”, “sapatona”, “sapa”, “bofinho” ou “entendida”. Isso eu realmente vejo entre minhas amigas “do balacobaco”.
Em geral, as mulheres que fazem sexo com mulheres vêem o termo “Lésbica” como o politicamente correto, mas preferem usar outros. “Gay” também é o termo politicamente correto para os homossexuais masculinos, mas a maioria prefere se chamar de “bichas”, “biba”, “viado”. Não se ouve falar: “Gay, tenho uma história pra te contar...”, mas sim “Viado, tenho um babado fortíssimo pra te contar...”
Mas, muitas vezes, o ambiente ou a pessoa com quem estamos falando nos faz optar por usar termos politicamente corretos. Por exemplo, quando “pegamos” um cara (“bofe”) que só encontramos de vez em quando – que não é nosso “caso” nem namorado –, e na manhã seguinte contamos a um(a) colega “careta” do ambiente de trabalho, preferimos dizer “Ontem um namoradinho foi lá em casa”, ao invés de “Ontem atendi um cliente” ou “Fiz um bofe aí que apareceu lá em casa...”. Usar o termo “namorado”, neste caso, dá uma ideia menos “escrota” de nós mesmos, entende? Aliás, mesmo quando se trata de um caso firme, as “bibas” nunca usam a palavra “marido” seriamente – este é um termo apropriado pelas travestis. Para os gays, chama-se caso ou namorado. O termo ”marido”, para as bichas, só é usado em tom jocoso, de brincadeira. E quando aplicamos a palavra "cliente" para um determinado "bofe" não quer dizer que pagamos, mas este termo está muito mais relacionado ao "atendimento", ao verbo "atender" (que, na semântica G quer dizer "fazer sexo com"). Atender clientes. Sacou?
Na verdade, o movimento tinha que ter um nome, uma sigla, e as palavras que apostamos foram essas – lésbicas, gays, bissexuais (o bofe ou a mona “que fazem”) travestis, transgêneros, transexuais – formando o famoso LGBTTT. Os intersex agora clamam também por um lugar nessa sopinha de letrinhas, como diz o título do livro da Regina Facchini. Aí ficaria LGBTTTI. Essas categorias foram adotadas não com a ambição de se resolver o problema de querer abraçar todas as identidades, mas para tornar mais fácil e viável a luta política. Além desta estratégia foi também necessário, como forma de afirmação, determinar datas, como o 28 de junho (Diz Mundial do Orgulho Gay, opa... quero dizer, Orgulho LGBT) e o 29 de agosto (Dia Nacional da Visibilidade Lésbica). Esta última importante porque entendemos que as lésbicas, além de serem estigmatizadas por serem mulheres que têm relações homoeróticas com outras mulheres, são também mulheres, outro grupo tradicionalmente discriminado e subjugado pela sociedade machista, patriarcal. Por isso também agora o L vem na frente de tudo na sigla LGBT.
O que quero dizer com tudo isso é que a data é importante sim. O problema é que, politicamente, além de nossos opositores, temos também que enfrentar a oposição de gente nossa. Há mulheres homossexuais que não concordam com a existência de um Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Uma “biba” amiga minha – e da Marinha – disse não entender a necessidade dos dois meninos de Exército – Fernando e Laci – se assumirem como um casal, fato ocorrido no ano passado. Meu amigo me disse isso em cima de um salto agulha tamanho 15, peruca e leque, já sentados eu e ele numa praça comendo qualquer coisa depois de um bloco de Carnaval. Disse a ele que se não fosse a coragem de pessoas desbravadoras no passado, como o tal casal, não seria possível que ele estivesse ali, personificando Carmem Miranda.
* Well Castilhos é jornalista, presidente do Grupo Liberdade LGBT de São Gonçalo e produtor da Parada LGBT do município
Em geral, as mulheres que fazem sexo com mulheres vêem o termo “Lésbica” como o politicamente correto, mas preferem usar outros. “Gay” também é o termo politicamente correto para os homossexuais masculinos, mas a maioria prefere se chamar de “bichas”, “biba”, “viado”. Não se ouve falar: “Gay, tenho uma história pra te contar...”, mas sim “Viado, tenho um babado fortíssimo pra te contar...”
Mas, muitas vezes, o ambiente ou a pessoa com quem estamos falando nos faz optar por usar termos politicamente corretos. Por exemplo, quando “pegamos” um cara (“bofe”) que só encontramos de vez em quando – que não é nosso “caso” nem namorado –, e na manhã seguinte contamos a um(a) colega “careta” do ambiente de trabalho, preferimos dizer “Ontem um namoradinho foi lá em casa”, ao invés de “Ontem atendi um cliente” ou “Fiz um bofe aí que apareceu lá em casa...”. Usar o termo “namorado”, neste caso, dá uma ideia menos “escrota” de nós mesmos, entende? Aliás, mesmo quando se trata de um caso firme, as “bibas” nunca usam a palavra “marido” seriamente – este é um termo apropriado pelas travestis. Para os gays, chama-se caso ou namorado. O termo ”marido”, para as bichas, só é usado em tom jocoso, de brincadeira. E quando aplicamos a palavra "cliente" para um determinado "bofe" não quer dizer que pagamos, mas este termo está muito mais relacionado ao "atendimento", ao verbo "atender" (que, na semântica G quer dizer "fazer sexo com"). Atender clientes. Sacou?
Na verdade, o movimento tinha que ter um nome, uma sigla, e as palavras que apostamos foram essas – lésbicas, gays, bissexuais (o bofe ou a mona “que fazem”) travestis, transgêneros, transexuais – formando o famoso LGBTTT. Os intersex agora clamam também por um lugar nessa sopinha de letrinhas, como diz o título do livro da Regina Facchini. Aí ficaria LGBTTTI. Essas categorias foram adotadas não com a ambição de se resolver o problema de querer abraçar todas as identidades, mas para tornar mais fácil e viável a luta política. Além desta estratégia foi também necessário, como forma de afirmação, determinar datas, como o 28 de junho (Diz Mundial do Orgulho Gay, opa... quero dizer, Orgulho LGBT) e o 29 de agosto (Dia Nacional da Visibilidade Lésbica). Esta última importante porque entendemos que as lésbicas, além de serem estigmatizadas por serem mulheres que têm relações homoeróticas com outras mulheres, são também mulheres, outro grupo tradicionalmente discriminado e subjugado pela sociedade machista, patriarcal. Por isso também agora o L vem na frente de tudo na sigla LGBT.
O que quero dizer com tudo isso é que a data é importante sim. O problema é que, politicamente, além de nossos opositores, temos também que enfrentar a oposição de gente nossa. Há mulheres homossexuais que não concordam com a existência de um Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Uma “biba” amiga minha – e da Marinha – disse não entender a necessidade dos dois meninos de Exército – Fernando e Laci – se assumirem como um casal, fato ocorrido no ano passado. Meu amigo me disse isso em cima de um salto agulha tamanho 15, peruca e leque, já sentados eu e ele numa praça comendo qualquer coisa depois de um bloco de Carnaval. Disse a ele que se não fosse a coragem de pessoas desbravadoras no passado, como o tal casal, não seria possível que ele estivesse ali, personificando Carmem Miranda.
* Well Castilhos é jornalista, presidente do Grupo Liberdade LGBT de São Gonçalo e produtor da Parada LGBT do município
Oi Well! Estou aqui fazendo minha primeira visita ao blog! Nem pudemos conversar direito lá na Câmara, mas muitas oportunidades virão...
ResponderExcluirO seu artigo está muito bom, mas o final dele para mim é o que marca a nossa problemática como grupo organizado.
Infelizmente a grande maioria dos gays e lésbicas não dá a mínima para política e militância e nem sequer se preocupa em lutar por seus direitos. E isto é cultural do brasileiro, onde a política é tratada como assunto chato que causa aversão.
Muitos gays inclusive denigrem a própria imagem, refletindo em si próprios o que a sociedade vê de mais ruim.
Eu sempre disse o mesmo que você no artigo: os gays de hoje não teriam a liberdade que têm se não fosse por aquelas pessoas que deram a cara a tapa no passado...Mas uma hora a gente chega lá!
Bem, estou deixando o link do meu blog aqui. Vou adorar sua visita. Lá tem bastante informações sobre o livro. Beijo grande!
Kiko Riaze
www.kikoriaze.wordpress.com