quarta-feira, 3 de março de 2010

BBBafão - Na fauna aquática, Dourado é o nome de um peixe. No Big Brother Brasil 10 é o nome de um troglodita



Ao ser perguntado por um dos participantes do Big Brother Brasil sobre o que representavam os 77 milhões de votos da eliminação do programa de 23/02/2010 – em que estavam “no paredão” o gay Dicesar, a lésbica Angélica e o machista Dourado – o jornalista Pedro Bial, apresentador da atração, respondeu: “Eu não sei”. Difícil mesmo entender como o programa mobilizou tão amplamente a sociedade nesse episódio que excedeu eliminações anteriores. Na análise de muitos, o resultado – a saída de Angélica, a protagonista lésbica –reafirmou a vigência de valores conservadores acerca da sexualidade entre o público que assiste o programa da TV Globo. Certamente deu pano para a manga e rendeu diversas manifestações

A escolha dos participantes desta décima edição do BBB, iniciada em janeiro, por si só já apontou para uma intensa polarização entre visões de mundo, ao juntar uma bicha pintosa, uma drag queen, uma jovem lésbica assumida, um homem heterossexual já conhecido do público como misógino e homofóbico, mulheres heterossexuais boazudas, uma intelectual gorda e um negro de dread-locks. A separação destes em “grupos” (“coloridos”, “sarados”, “belos” e “ligados”) de antemão prenunciava o tipo de polarização a ser estimulada. A nova lógica implementada cumpre o papel de estratégia para ampliar os índices de audiência, objetivo último de um produto midiático comercial.

Contudo, o “paredão”, formado pela tríade de elementos tão diversos, provocou polêmicas que captaram a imaginação do público e levantou diversas questões. Este paredão confrontou a possibilidade de permanência no jogo de uma mulher lésbica (eliminada com 55% dos votos) com a do jogador cuja personalidade vem expressando uma performance agressiva e discriminatória. Entretanto, Dourado parece emergir como modelo do machão heterossexual, destemido, “autêntico”, que “não leva desaforo para casa”.

Para muitas ativistas lésbicas, o que esteve por trás da saída de Angélica foi, sim, a lesbofobia. Segundo essas vozes, o problema da personagem foi demonstrar o desejo por outra mulher em pleno programa (outra participante), causando um incômodo no público, o qual tem sido mascarado por outras críticas a ela, como a chamar de “fofoqueira” ou “encrenqueira”. “Ela desafiou a virilidade masculina do homem brasileiro, ao tentar se ‘intrometer’ em uma relação heterossexual, expressando seu desejo pela namorada de um outro participante. Vivemos em uma sociedade androcêntrica e, por conseguinte, falocêntrica”, avalia Jandira Queiroz, assistente de projetos do Observatório de Sexualidade e Política (SPW).

Na análise de Jandira, a moça desafiou a heteronormatividade e o patriarcado, especialmente por encarnar um tipo de lésbica não masculinizada, mas extremamente feminina. “A lésbica bonita e feminina incomoda muito mais. O homem heterossexual ainda entende a lésbica masculinizada, sem entender como ela se construiu ou o quanto esta imagem foi construída como uma forma defensiva de se colocar no mundo”, alinhava a ativista Gilza Rodrigues, presidente do Grupo de Conscientização Homossexual Arco-Íris, entidade responsável pela Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, segunda maior do mundo em número de participantes.

Para muitas das pessoas ouvidas, o resultado era esperado, considerando o padrão brasileiro de uma sociedade repleta de preconceitos. “A maneira que a homossexualidade feminina veio sendo tratada no programa – referida através de estereótipos masculinos, com a clara intenção de ridicularizar a sua orientação sexual, reforçando as concepções tradicionais de gênero e sexualidade – denota o quanto a questão de gênero perpassa a orientação sexual na experiência cotidiana dos sujeitos. Com base nessas premissas, sua exclusão do programa leva, sim, a que se possa pensá-la como produto da dominação simbólica. Sua eliminação reforça a idéia de que a mulher não pode impunemente violar as regras de seu estilo de gênero tradicional, tampouco a orientação heterossexual. As lésbicas, mais ainda do que as mulheres heterossexuais, ‘precisam saber o seu lugar’, parece ser a mensagem transmitida com a eliminação da moça”, analisa a historiadora e mestre em Política Social Rita Colaço, responsável pelo blog “Comer de Matula”, dirigido a lésbicas, gays, travestis e transexuais.

Porém, se a eliminação da participante lésbica era esperada, como explicar a permanência de alguém que se assume como “o machão da casa”, afirma que homens heterossexuais não contraem HIV e diz que homossexualidade é opção? Na opinião da psicóloga Vanessa Leite, pesquisadora do CLAM/UERJ, o relativo sucesso do personagem se ancora na saudade de uma “masculinidade perdida”. “Não existem outros homens heterossexuais que se posicionem como ele no programa. Ele ocupa um lugar no imaginário social do “macho ideal”: autoritário, homofóbico e misógino”, diz ela.

“Ele é um exemplo do machismo no Brasil, mas é apenas a ponta de um iceberg que ainda associa os homossexuais à Aids e que trata a mulher como objeto. A suástica que ele carrega tatuada no corpo já demonstra o que ele pensa em relação à diversidade. Sua manutenção no programa sinaliza que, em parte, a sociedade comunga com as suas opiniões. Isso é preocupante, uma vez que pode vir a prejudicar o trabalho de visualização de direitos e de cidadania realizado por diversas organizações da sociedade civil brasileira”, afirma o ativista Cláudio Nascimento, Superintendente de Direitos Coletivos, Individuais e Difusos da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.

Outras vozes fazem coro com Nascimento. “Por sua elevadíssima audiência, o programa pode tanto contribuir para o esclarecimento a respeito de visões preconceituosas e estigmatizadoras, quanto para contribuir justamente para o seu reforço, estimulando personalidades violentas e com dificuldades em se relacionar com a alteridade, como está parecendo ser o caso nesta versão do programa”, salienta Rita Colaço.

“Programas como o Big Brother Brasil, como qualquer cultura de massa, formam opinião, podendo trazer conseqüências tanto positivas quanto negativas. As discussões que são geradas pelas atitudes das pessoas podem tanto diminuir quanto reforçar preconceitos”, diz a jornalista Daniela Novais, que se define como lesbofeminista e atua como articuladora e mobilizadora política no LesBiBahia, articulação autonomista de lésbicas e mulheres bissexuais baianas que discute agenda política e demandas para o movimento em prol dos direitos das lésbicas.

Segundo o jornalista paulista João Marinho, administrador do blog “Gospel LGBT: homossexualidade sem preconceito”, o problema é que, “desde o começo, a emissora ‘marcou’ a sexualidade dos ‘coloridos’ como sua principal característica e diferencial de ‘grupo’. Os grupos da casa não foram formados naturalmente, foram ‘impostos’ pela produção por características que esta considerara como diferenciais. Por esse motivo, quaisquer outras características individuais dos participantes foi ‘mascarada’ – e parece que quase tudo que acontece com eles se remete àquele diferencial. No caso dos coloridos, a sexualidade. Com isso, a emissora gera polêmica e audiência, mas não é possível apontar que a homossexualidade tenha sido o motivador principal da eliminação da moça, especialmente num programa que já teve um homossexual como vencedor”.

O gay em questão foi o professor universitário Jean Wyllys, vencedor da quinta edição do programa. Porém, parece que gays discretos (como Jean) ou menos discretos e mais femininos (como dois dos atuais participantes, que demonstram bons índices de “aceitação” junto ao público) ganham mais facilmente a empatia do público, razão apontada por muitos como um dos motivos da vitória de Wyllys, que se “assumiu” dentro da casa. Por sua vez, João Marinho particularmente não vê como positiva a exposição dos homossexuais nesta edição em particular.

“Seria interessante se a emissora tivesse incluído participantes assumidos, mas não interferisse diretamente na formação dos grupos dentro da casa. Isso, sim, discutiria o preconceito de forma positiva. Não foi o que aconteceu. De certa forma, os ‘coloridos’ – e não apenas eles, mas todos os demais – foram ‘segregados’, ‘marcados’ por uma característica sua, e isso começou a pautar os diálogos, as manifestações de preconceito por parte de outros participantes, e a visão de que somos ‘seres à parte’. Por que uma pessoa não pode ser, por exemplo, ao mesmo tempo ‘sarada’ – um outro ‘grupo’ da casa – e ‘colorida’? Ao evidenciar a sexualidade como característica tão diferencial, talvez com a justificativa de trazer o diálogo, a emissora, na verdade, acaba por reforçar gays e lésbicas como pessoas ‘não-pertencentes’, excluídas de outros grupos por sua sexualidade. Isso é bem negativo”, conclui o jornalista.

Segundo a antropóloga e professora do Museu Nacional Adriana Vianna, o que parece estar havendo é a vitória da "tosquice" e uma reação das pessoas a não torcer pelos participantes "só" pela sua orientação sexual, antepondo-se ao que parece “politicamente correto”.

O problema é que Dourado, mesmo quando tenta fazer a linha "politicamente correto" acaba sendo incorreto, quando por exemplo ele faz questão de ressaltar a máxima cavalheiresca de que ele não bate em mulher. A questão, assinala um fisioterapeuta gay, é que “ele não deveria bater em ninguém – nem homem, mulher, cachorrinho etc...” .

A onda do politicamente incorreto

Particularmente não acho que a razão para saída de Angélica tenha sido a lesbofobia ou que o público a tenha tirado por sua orientação sexual. Não posso afirmar que tenha sido isto o que mais pesou no resultado. Mas posso afirmar, com certeza, que se vivêssemos em um país onde sua população reprove a misoginia, o machismo, a homofobia ou qualquer tipo de desigualdade de gênero – como os países nórdicos, por exemplo – o Dourado é que tinha sido eliminado. No programa de ontem (02/03), por exemplo, ele foi “emparedado” com duas outras mulheres heterossexuais. E apesar de ter sido ele o participante que afirmou em cadeia nacional que quebraria o dedo de outra participante (por acaso, a Angélica) se estivesse fora da casa, e ter dito “pérolas” como “homens heterossexuais não contraem HIV” e “homossexualidade é opção”, ele mais uma vez se safou com ótima margem de votos favoráveis à sua permanência (apenas 11% dos 92 milhões de votos foram pela saída dele do programa). Da noite para o dia, ele se tornou herói nacional, o bom moço – autêntico e boa praça.

Sim, sabemos que vivemos em uma sociedade machista e patriarcal, mas isto não quer dizer que devamos permanecer assim pra sempre. Pra isso existem os movimentos sociais, como o feminista e o LGBT, e a permanência do Dourado coloca em risco o trabalho de décadas destes movimentos.

É claro que não se deve votar em ninguém – mesmo sendo pela permanência de alguém no BBB – por conta da orientação sexual ou cor desta pessoa, mas convenhamos.... Eliminar a Angélica e a Cacau e deixar o Dourado já é demais, não é? Parece que as pessoas estão se opondo ao “politicamente correto” e isto é um risco.

Então, depois de dar a vitória ao Dourado no BBB 10 – o que pode acontecer, infelizmente – vamos estar habituados a fatos como o acontecido na Uniban e outras Geyses serão avacalhadas nas universidades, no supermercado, na academia etc. O mundo é dos homens heterossexuais mais toscos e brucutus?

Se bem que levanto aqui uma suspeita: não foi estranha a eliminação de ontem (02/03) da Cacau? Será que tem alguma relação com o fato de ter “rolado um clima” entre ela e a Angélica? Mais estranho ainda foi a votação de 92 milhões de votos. Normalmente recordes como esse acontecem quando existem dois fortes opositores se enfrentando no “paredão”, e os votos são mais ou menos divididos depois de uma disputa acirrada. Ontem não aconteceu isso – Cacau recebeu 62% destes 92 milhões, a problemática da Lia 26% e o “adorável” Dourado 11%. Ou seja, pessoas votaram quase 92 milhões de vezes para tirar um só participante? Ela foi quase unanimidade dessa votação toda? Desta vez francamente acho que houve manipulação de resultados, só gostaria de saber qual a culpa da moça.
(Well Castilhos é jornalista, coordenador de Comunicação Social do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos - CLAM/UERJ - e presidente do Grupo Liberdade LGBT de São Gonçalo)

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