O tucano pretende, depois de tanto repetir, que o povo acredite que ele seja mesmo superior à Dilma
*Well Castilhos
Nunca me dei conta – talvez até tivesse dado, mas me negava a aceitar – que o fato de o segundo turno das eleições presidenciais ter-se concentrado, de forma obscurantista, sobre temas como homossexualidade e aborto e estar permeado de tantas baixarias e troca de acusações entre José Serra e Dilma Rousseff se devesse ao fato desta ultima ser mulher. Sim, tais temas nunca antes entraram na agenda do debate entre dois oponentes varões na história das eleições presidenciais neste país.
Não vemos um tema que diga respeito especialmente a um homem heterossexual – como o uso do Viagra, da vasectomia ou dos exames de DNA, por exemplo – estar sendo usado como moeda de troca, como tem sido o caso do aborto e da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Na verdade, os temas só surgiram na agenda do debate porque, pela primeira vez, temos uma mulher com real chance de ganhar a eleição – e, é claro, tinham que atacá-la por aquilo que entendem ser o seu “calcanhar de Aquiles”: assuntos que lhe dizem respeito enquanto mulher (como o aborto) ou em relação ao qual ela tenha alguma sensibilidade (como a questão da união civil). Os adversários de Jandira Feghali – especialmente a Igreja Católica – fizeram isso antes, quando ela tentou vaga para o Senado em 2006, lembram?
Dilma e Serra são diferentes. Assim como homens e mulheres são diferentes. O problema é quando se constroem desigualdades a partir da diferença, ou seja, quando se transformam diferenças em desigualdades, como se têm feito tradicionalmente em relação a homens e mulheres. Dizer, por exemplo, que mulheres são mais sensíveis e menos competentes que os homens. Nesta perspectiva sexista infeliz, Serra sairia com a vantagem. O segundo passo é reafirmar estas desigualdades o máximo que se pode, para que se possa acreditar nelas. Aí então grande parte da população passa mesmo a crer que o candidato é mais capaz do que a candidata. Explico: a fixação ou naturalização das diferenças é a primeira parte da construção das desigualdades – “mulher é mais sensível que o homem, por isso não pode ocupar cargo de chefia”. A segunda parte é a hierarquização: logo “homens são superiores às mulheres”.
Foi a partir do século XIX que se instalou a concepção no Ocidente, na Europa, de que há uma diferença qualitativa entre homens e mulheres. Tal “verdade científica”, vigente até hoje, atendia à demanda da época de enfrentar o horizonte do igualitarismo instaurado pela Revolução Francesa, que ia contra a desejada manutenção da hierarquia sexual. A posição da mulher teve que ser repensada, porque se todos eram iguais, por que as mulheres deviam continuar restritas aos âmbitos domésticos e sob a autoridade dos maridos? A única possibilidade de justificar isso era através da natureza. Então, a partir do momento em que se instaura o discurso igualitário da Revolução Francesa, as únicas diferenças que poderiam ter impacto político eram as diferenças naturais. Assim, a natureza foi usada pela ciência para justificar a diferença entre mulheres e homens no plano político e no plano dos direitos. No caso das mulheres, criaram-se essas diferenças no plano natural: as mulheres seriam mais emotivas, não teriam assim a capacidade para decidir e para participar do mundo público, devido à sua natureza.
É muito claro o modo como a ciência acabou legitimando desigualdades sociais e políticas entre homens e mulheres. Em tais desigualdades, muitos acreditam até hoje. E parece ser o caso de José Serra, que vive enaltecendo sua superioridade política (como homem) e a incapacidade da adversária para administrar o país. Sua intenção é que, dito isto diversas vezes, passa-se a acreditar em sua verdade. Joseph Goebbles, ministro da Propaganda de Adolph Hitler, dizia que uma mentira contada duas vezes passa a ser verdade. E essa é a estratégia usada por Serra. Querer que o povo, depois dele tanto repetir, acredite que ele seja mesmo superior à Dilma.
*Well Castilhos é jornalista, presidente do Grupo Liberdade LGBT e membro do PT
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