
Para contar sua trajetória, Vagner de Almeida foi até sua cidade natal, Canindé, no interior do Ceará, conheceu sua mãe, D. Dargenira, com seus 90 anos, suas irmãs, a escola que freqüentou quando criança e o local onde ela repousa nos dias de hoje. Janaína morreu em fevereiro de 2004, aos 43 anos, vítima de câncer no pulmão.
O filme tem estreia prevista para o dia 12 de maio, em Fortaleza. Autor de documentários premiados como Sou mulher, sou brasileira, sou lésbica (2009), Sexualidade e crimes de ódio (2008), Basta um dia (2006) e Borboletas da vida (2004), o cineasta acredita que este seu atual filme resume tudo o que fez até o momento. Para mais informações sobre estas produções, visite o site http://www.vagnerdealmeida.com/.
Por que Janaína Dutra é uma história que necessita ser contada ao Brasil? Quem foi Janaina segundo Vagner de Almeida?
Vagner de Almeida – No Brasil temos um legado muito triste de esquecermos a história e, com isto, deixamos que pessoas tão importantes como Janaína Dutra sejam engavetadas para sempre, desaparecendo os feitos e as realizações positivas dessas pessoas.
Janaina foi uma das minhas melhores amigas, pois juntos tecíamos muitas colchas de retalhos da vida. Jana foi uma verdadeira “Mulher Rendeira” que trançava rendas de tantas outras vidas e criando essa rede de solidariedade, amor e carinho por seus iguais e semelhantes. Sempre luz, amava jazz, falante, risonha, educada e guerreira. Uma brava humana, que com muita garra e coragem enfrentou muitas buchas de canhão. De cabeça erguida e muita determinação fez de sua vida um estandarte de ações positivas.
Que relação se pode estabelecer entre este atual e seus filmes anteriores? Há uma linha que os conduz e relaciona?
Vagner de Almeida – Todos os meus filmes necessitam fazer pontes uns com os outros, pois é a minha linha de trabalho e a forma de pensar. Gosto de ousar entre pontes, intercalando as histórias e as vidas dos protagonistas que busco mostrar, como sendo uma rede social, onde todos de certa forma dão as mãos e suas vidas em algum ponto se cruzam nesta interseção do existir, dentro de um sistema que merece ser reinventado.
Este novo filme, que conta a vida desta “Estrela Maior”, na verdade resume tudo que tenho feito até então, por Janaína ser pioneira em tantas coisas, em várias brechas do cotidiano, abrindo espaços, caminhando com os movimentos e elaborando no sistema do Ministério da Saúde as primeiras respostas aos enfretamentos do HIV/AIDS para as travestis.
Ela não deixaria jamais de fazer parte dessa ponte. Foram pilares construídos para fortalecer tanta intolerância social e abrir portas para que novas pessoas, lideranças e travestis pudessem caminhar com mais liberdade.
Meus filmes anteriores falam de solidariedade e direitos humanos, do HIV/AIDS, de jovens HSH – homens que fazem sexo com homens – de crimes de ódio contra a comunidade LGBT, e Janaína está simbolicamente inserida em todos os meus filmes.
De Janaína para cá, como vê os avanços? E os desafios?
Vagner de Almeida – Desde a época “Janaina”, os avanços vêm acontecendo das mais diferentes formas e cores possíveis. Muitas pessoas bem intencionadas e acreditando nas mudanças para o coletivo em geral estão fazendo trabalhos exemplares. Ações que necessitam ser registrados nos anais da história do Brasil e do mundo. Outras tantas e em números bem maiores, sugam desse avanço seus fins próprios.
Pessoas como Janaina Dutra foram as que abriram as portas da visibilidade e da trajetória desse movimento, e poucos/as são reconhecidos/as ou conhecidos/as por essa nova geração, que faz desse “Movimento” uma “Movimentação” e uma passarela de vaidades.Criou-se no percurso desses avanços um “Mercado Paralelo”, onde vampiros sugam tudo o que podem, deixando para o movimento só o que não presta. Isto é um lado do avanço lamentável! A militância perdeu o valor do “Voluntariado”, e o movimento tornou-se cabides de empregos e ganhos.
Dentro do próprio Movimento LGBT, a Aids perdeu seu foco, saiu de cena, deixou de ser protagonista e foi substituída por coisas menos importantes.
A mídia, com o passar do tempo, vem engatinhado de maneira mais positiva e progressista em relação aos avanços de igualdade social entre as pessoas que fazem parte do universo LGBT. De forma menos cruel e perversa, as redes nacionais de TV e rádios vêm tratando os temas com maior seriedade, mesmo com controvérsias ou com pensamentos extremistas, radicais e homofóbicos.
Observo também que há a necessidade de uma renovação, temos que revisitar a história, recompor os cacos e redescobrir o verdadeiro sentido da militância, da solidariedade e, acima de tudo, trazer de volta a noção de cidadania plena, pois sem esses ítens interligados não haverá um coletivo positivo, e os avanços de anos passados serão enterrados e esquecidos no presente.
Como avalia a questão da homofobia em nosso país, tema sempre retratado em seu filmes? Ela entra de que maneira na historia da Janaína?Vagner de Almeida – Vivo rodeado de historias de vidas, vejo todos os dias na mídia o excesso de intolerância levando vidas de muitas pessoas, que são ceifadas pela ignorância que germina no ser humano pequeno.
Uma vez ouvi uma história de uma travesti idosa que me disse assim: “ Vagner, poucas são as travestis que chegam à minha idade, aos 65 anos, pois quando não são mortas na rua pelos clientes ou pessoas malvadas, são levadas pela AIDS e pela morte social. A sociedade nos impõe a morrer mais cedo’’.Hoje no Brasil temos uma visibilidade maior do terror, das mortes, dos assassinatos, pois com os “avanços” obtidos, presenciamos o que até pouco tempo atrás era camuflado, deixado de lado, sem importância. Eram cidadãos de terceira categoria, sem importância alguma para a sociedade, os chamados marginais. Pessoas que mesmo na marginalidade eram cidadãos com muitas obrigações e sem direitos nenhum.
Os números não aumentaram, pois as mortes continuam tão iguais ou possivelmente até menos, pois com esses avanços, os números de mortes causadas pela intolerância homofóbica são mais visíveis. Passou-se a ter acesso a esses óbitos. Os antigos marginais agora podem denunciar ou terem seus direitos quase assegurados por completo.
A vida de Janaína não foi diferente, pois ela passou por todos os corredores poloneses, enfrentou a cidade nordestina natal dela, desbravou conceitos que a subtraíram e ao mesmo tempo lhe fortaleceram, pois é assim com todos que sofrem com o desequilíbrio e essa doença social chamada “intolerância”.
No filme “Sou Mulher, Sou Brasileira, Sou Lésbica” – (assista o trailer do filme em http://www.youtube.com/watch?v=8ZidQ4XiUdY), todas as 504 mulheres entrevistadas sofreram de abusos homofobicos. Não houve uma mulher que não relatasse uma agressão física, verbal, psicológica ou religiosa. Isto sem mencionar a opressão familiar e a depressão que vêm agregada a tudo isto.Cidadãos estão sendo mortos na história contemporânea do Brasil por motivos mais torpes possíveis. A homofobia ataca a todos e a todas de forma vil e ainda está distante de ser criminalizada. Na verdade a homofobia não é crime, só é um comportamento e uma atitude deplorável. Crime é o ato homofóbico, aquele que mata, mutila e subtrai. É importante distinguir essas duas coisas para que tenhamos uma noção de intenção e ação. Um homofobico pode ser homofobico e preconceituoso a vida inteira, sem nunca praticar um crime contra alguém. Basta ele guardar este preconceito para si mesmo.
Para finalizar, esperamos que o filme “Janaína Dutra: Uma Dama de Ferro” possa fazer sua trajetória social e histórica no Brasil, e que juntos possamos mais uma vez contribuir para um pais menos opressor e mais tolerante.
Muito interessante tudo que aqui tem sido publicado nos últimos dias, eu me arrisco a chamar de "MILITÂNCIA CONSCIENTE", pois é de informações importantes como as aqui são publicadas que vamos construir um mundo melhor, onde cidadania é apenas o cumprimento de nossos deveres e a cobrança consciente dos nossos direitos.
ResponderExcluirJá somos tão cobrados dos nossos deveres, por que não nos dar o que é nos é de direito: IGUALDADE.
Parabéns meu amado e estimado Well Castilhos.