
Na edição do dia 14 de julho, a Folha de São Paulo publicou matéria com a evangélica e psicóloga Rozângela Justino. Um jornalista da Folha pagou R$ 100,00 por uma consulta com a psicóloga que garante a cura. Em entrevista, Justino diz que o 'homossexualismo' (sic) é uma doença que o Movimento quer implantar em toda a sociedade. “Há um grupo com finalidades políticas e econômicas que quer estabelecer a liberação sexual, inclusive o abuso sexual contra crianças”, diz a psicóloga na entrevista. Rozângela Justino ficou conhecida por propor tratamento de mudança da orientação sexual homossexual para heterossexual e, por isso, aguarda julgamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP) por desrespeitar a Resolução 001/99, que orienta as práticas dos psicólogos em relação á orientação sexual, proibindo esse tipo de tratamento.
Mesmo tendo sido tradicionalmente o campo responsável pela idéia de homossexualidade como doença, o chamado campo psi tem mudado suas práticas - a própria resolução do CFP é um exemplo disso. Outro exemplo recente foram os dois eventos realizados por profissionais da Psicanálise e da Psicologia no Rio, por ocasião dos 40 anos de Stonewall. Veja abaixo matéria publicada no site do CLAM (http://www.clam.org.br/) sobre o assunto, na qual o caso Rozângela Justino, com suas vergonhosas proposições, é analisado:
O campo psi se retrata
Grande responsável pela patologização da homossexualidade no passado, o campo psi – formado pela Psicanálise, Psiquiatria e Psicologia – parece estar se retratando, em compasso com os 40 anos da rebelião de Stonewall. Por ocasião do último 28 de junho, aniversário de quatro décadas do episódio no bar novaiorquino, dois eventos foram realizados por profissionais do campo: o Colóquio “As homossexualidades na Psicanálise”, organizado pelo Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, e o seminário Psicologia e Diversidade Sexual, organizado pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro.
Embora na psicanálise ainda não haja consenso em relação à homossexualidade, a realização do Colóquio “As homossexualidades na Psicanálise” é sinal de avanço. Pelo menos no Brasil, o colóquio foi pioneiro em debater diretamente o tema das homossexualidades na psicanálise. “Mostramos que não existe a homossexualidade como categoria nem clínica nem teórica. Existem homossexualidades: manifesta, latente ou sublimada. Essa retomada é efetivamente necessária, pois determinadas leituras parciais da obra de Freud podem levar a estigmatizar a homossexualidade”, avalia o psicanalista Antonio Quinet, professor do Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da UVA e um dos organizadores do evento.
O Colóquio trouxe à luz algumas dessas leituras, presentes em determinadas obras de Melman e Valas (franceses) e Zussman (brasileiro), em que colocam a homossexualidade como perversão. “Eles fazem uma leitura apressada da questão e não levam em conta a teoria da pulsão, a bissexualidade estruturada pelo Complexo de Édipo completo, e a sexualidade como em si mesma perversa. Perversão como estrutura clínica , no entanto, para a psicanálise, não é doença, é uma modalidade sexual. Por outro lado, Jacques-Alain Miller faz uma leitura deturpada da obra de Lacan e reduz a diferença de posição sexual e modalidades de gozo à diferença anatômica dos sexos, psicologizando os gêneros e estabelecendo padrões prévios de comportamento para os homens e as mulheres e hetero e homossexuais”, afirma Quinet.
No entanto, segundo ele, não se pode atribuir à psicanálise a origem de toda a atual homofobia, termo criado em 1972 pelo psicólogo norte-americano George Weinberg.e hoje usado por ativistas para descrever atitudes violentas e preconceituosas contra pessoas LGBT. “O preconceito em relação à homossexualidade é anterior à psicanálise. A homossexualidade já foi considerada pecado, crime e depois doença. Mas em muitos lugares as três concepções coexistem. Não me parece culpa da psicanálise. É verdade, porém, que ela pode ter sido utilizada de forma deturpada, paradoxalmente e contra tudo o que ela possibilita como (não)recalcamento do sexo, para acentuar a homofobia”.
Quinet lembra que não à toa o evento foi pensado nos 40 anos de Stonewall, sem dúvida um marco no redirecionamento e no fortalecimento das manifestações pró-liberação dos homossexuais e luta contra a homofobia. Além de ser o evento fundador do movimento homossexual e inspirador das Paradas do Orgulho Gay – a primeira delas foi realizada exatamente no primeiro aniversário da rebelião (1970) e se espalhou para o mundo todo – Stonewall deixou um legado que vai além. “Principalmente se pensarmos que a retirada da homossexualidade como doença do DSM, em 1973, já é uma conseqüência da reconsideração da American Psyquiatry Associtaion (APA) no início daquela década, quando ativistas do movimento gay invadiram, por duas vezes, sua reunião anual protestando contra a idéia da homossexualidade como doença”, observa Quinet.
Depois que a APA retirou a homossexualidade da lista de doenças psiquiátricas – após ativistas gays, por duas vezes (1970 e 1971), invadirem o seu encontro anual, fortalecidos e motivados por Stonewall – a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez o mesmo em 1993. Porém, mesmo depois da retirada da homossexualidade do DSM e do rol de doenças da OMS, a idéia de que homossexualidade seja doença ainda persiste. A transexualidade, por exemplo, ainda se encontra nessa categoria no DSM. No Brasil, apesar de a cirurgia de mudança de sexo poder ser realizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para uma pessoa se submeter a ela é necessário que esta apresente o diagnóstico de transexualidade, isto é, a.cirurgia ainda está condicionada a uma doença do sujeito, que, estando doente, precisaria de uma cirurgia reparadora.
“É lamentável que essa idéia da homossexualidade como doença persista ainda hoje. No entanto, há discussões na equipe que elabora o novo DSM para retirar todas as formas de sexualidade e identidades sexuais das listas de doença. Espero que cheguem a isso”, afirma Quinet.
A cura da homossexualidade
Quatro décadas depois de Stonewall, ainda se propõem tratamentos de cura da homossexualidade, a exemplo do que faz a psicóloga evangélica Rosângela Justino, que no momento aguarda julgamento pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) por tais práticas. Justino é acusada de violar a Resolução 001/99, que versa sobre as diretrizes éticas sobre a atuação dos psicólogos em relação à diversidade sexual, proibindo toda forma de tratamento clínico à homossexualidade por parte de seus profissionais. Para marcar os dez anos da Resolução, o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro organizou o seminário “Psicologia e Diversidade Sexual: assim se passaram dez anos”, também acontecido às vésperas do 28 de junho. Segundo o psicólogo Igor Torres, membro do GT Diversidade Sexual do CRP-RJ, o Conselho Federal de Psicologia já vem se retratando frente à homossexualidade há dez anos, quando surgiu a resolução depois que uma clínica no estado do Espírito Santo, que propunha fazer a cura de homossexuais, foi denunciada.
No entanto, o psicólogo admite que a homofobia está presente nas práticas de muitos profissionais da Psicologia, “como aquele que trabalha, por exemplo, no setor de recursos humanos de uma empresa e não seleciona uma travesti para um cargo por conta da sua identidade de gênero”, exemplifica.
Segundo ele, outro problema é a forte associação do campo com a religião. “Psicologia e Religião têm uma proximidade desde o início. Hoje continuamos vendo essa proximidade tanto em psicólogos como a Rosângela Justino como também por ser este um curso procurado por religiosos. Uma intersecção entre as duas áreas se explica porque ambas atuam no campo do cuidado. Na atuação, essas pessoas acabam por inserir suas crenças religiosas no desenvolvimento da prática profissional. Porém, por mais próximos que estes campos possam parecer, são domínios distintos. A prática da psicologia tem que ser regida pelo código de ética”, analisa Igor.
Mas como pensar situações e demandas se, ainda hoje, apesar da resolução, de Stonewall e de toda a visibilidade que a homossexualidade alcançou, uma mãe ainda leva o filho homossexual a uma clinica para “se tratar” e a direção de uma escola ainda encaminha uma criança ao psicólogo do colégio por esta apresentar uma perfomance de gênero destoante das demais?
“Uma coisa é aceitar essa demanda, outra é colocar em análise esse sofrimento. As demandas da homossexualidade nas escolas se devem ao fato de a homossexualidade ser presumida a partir de uma performance de gênero. O ‘problema’ é entregue ao psicólogo da escola, para que um menino deixe de brincar com meninas, por exemplo”, analisa o psicólogo.
A proposta do evento do CRP era analisar, dez anos depois da resolução, que desafios a temática da diversidade sexual ainda oferece à psicologia. A patologização da transexualidade pode ser vista como um desses desafios. “O processo transexualizador está sendo implantado no SUS, mas não há uma normatização feita pelo Conselho Federal de Psicologia. As normas existentes são do Conselho de Medicina, embora o processo envolva psicólogos”, questiona Igor.
Profissionais de áreas afins, mas que seguem métodos distintos na compreensão da psique humana, Quinet e Torres concordam que o caminho ainda é longo até que mais debates sobre o tema tenham espaço entre os profissionais do campo psi. Para o primeiro, a discussão deve sair das Escolas e Sociedades de psicanálise para chegarem à sociedade. “Mas o primeiro passo é que a própria homofobia seja superada e abolida nas instituições psicanalíticas assim como na clínica e na teoria”, diz Quinet.
Na análise do psicólogo Igor Torres, “é preciso, antes de tudo, que outras sexualidades – que não a hetero – sejam consideradas legítimas, para que não sejam mais necessárias outras resoluções”, finaliza.
Leia agora a matéria da Folha completa.
Psicóloga que diz "curar" gay vai a julgamento em conselho (Caderno Cotidiano - Pg. C4.)
Conselho Federal de Psicologia decide no dia 31 se cassa licença de Rozângela Alves Justino Resolução veta tratar questão como doença e recrimina indicação de tratamento; se o registro for perdido, será a 1ª condenação do tipo no país
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O Conselho Federal de Psicologia julga, no fim deste mês, a cassação do registro profissional de Rozângela Alves Justino por oferecer terapia para que gays e lésbicas deixem a homossexualidade. Se perder a licença, será a primeira condenação desse tipo no Brasil. Resolução do próprio conselho proíbe há dez anos os psicólogos de lidarem a homossexualidade como doença e recrimina a indicação de qualquer tipo de "tratamento" ou "cura". Rozângela, que afirma ter "atendido e curado centenas" de pacientes gays em 21 anos, diz ver a homossexualidade como "doença" e que algumas pessoas têm atração pelo mesmo sexo "porque foram abusadas na infância e na adolescência e sentiram prazer nisso".
Numa consulta em que a reportagem, incógnita, se passava por paciente, Rozângela, que se diz evangélica, recomenda orientação religiosa na igreja. "Tenho minha experiência religiosa que eu não nego. Tudo que faço fora do consultório é permeado pelo religioso. Sinto-me direcionada por Deus para ajudar as pessoas que estão homossexuais", afirma.
A cassação de Rozângela, que atende no centro do Rio, foi pedida por associações gays e endossado por 71 psicólogos de diferentes conselhos regionais. Segundo ela, que já foi condenada a censura pública no conselho regional do Rio no final de 2007, "o movimento pró-homossexualismo tem feito alianças com conselhos de psicologia e quer implantar a ditadura gay no país". "É por isso que o conselho de psicologia, numa aliança, porque tem muito ativista gay dentro do conselho de psicologia, criou uma resolução para perseguir profissionais", afirma.
No Rio, Rozângela participa do Movimento Pela Sexualidade Sadia, conhecido como Moses, ligado a igrejas evangélicas. A almoxarife Cláudia Machado, 34, diz que recebeu de Rozângela a apostila "Saindo da homossexualidade para a heterossexualidade", que prega meios para a mudança de orientação sexual. "Hoje vivo a minha homossexualidade tranquila, essa história de cura não existe, o que houve foi um condicionamento. Reprimi meus desejos. Não sentia prazer", diz.
Já a pedagoga Fernanda, que pede para não ter o sobrenome divulgado, diz ter sido LÉSBICA por dez anos e que, depois da terapia que faz com Rozângela há quatro anos, passou a ter relações heterossexuais. "Realmente há possibilidade de sair da homossexualidade. É um processo longo. De lá para cá busco a feminilidade."
"A ciência já mostrou que não existe tratamento para fazer com que alguém deixe de ter desejo HOMOSSEXUAL nem heterossexual. Quando se promete algo assim, é enganoso", diz o terapeuta sexual Ronaldo Pamplona, da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana.Segundo ele, a Sociedade Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade do diagnóstico de doenças em 1974, seguida, uma década depois, pela Organização Mundial da Saúde. "Se absolvê-la, o Conselho Federal de Psicologia vai referendar a tese de que é possível "curar" gays", diz Toni Reis, presidente da ABGLT, a associação brasileira de homossexuais.
"Isso traz prejuízo aos gays e contribui para fortalecer o estigma", afirma Cláudio Nascimento, superintendente da Secretaria de Direitos Humanos do Rio e do grupo Arco-Íris. "Vejo [o pedido de cassação] como uma injustiça", diz Rozângela, que, se cassada, pensa em recorrer à Justiça comum. De um lado, cem entidades gays de todo o país vão levar um manifesto e manifestantes no dia do julgamento de cassação de registro de Rozângela, no próximo dia 31, em Brasília. Do outro, ela diz que vai reunir alguns ex-gays e psicólogos amordaçados para protestar contra a censura que diz sofrer. "É a Inquisição para héteros", diz terapeuta
FOLHA - Como a sra. vê o homossexualismo?
ROZÂNGELA ALVES JUSTINO - É uma doença. E uma doença que estão querendo implantar em toda sociedade. Há um grupo com finalidades políticas e econômicas que quer estabelecer a liberação sexual, inclusive o abuso sexual contra criança. Esse é o movimento que me persegue e que tem feito alianças com conselhos de psicologia para implantar a ditadura gay.
FOLHA - O que é ditadura gay?
JUSTINO - Há vários projetos no Congresso para cercear o direito de expressão, de pensamento e científico. Eles foram queimados na Santa Inquisição e agora querem criar a Santa Inquisição para heterossexuais.
FOLHA - A que a sra. atribui o comportamento gay?
JUSTINO - À expectativa dos pais, que querem que o filho nasça menino ou menina. Projetam na criança todos os anseios. E daí começam a conduzir a sua criação como se você fosse uma menina. Outra causa mais grave é o abuso sexual na infância e na adolescência. Normalmente o autor do abuso o comete com carinho. Então a criança pode experimentar prazer e acabar se fixando.
FOLHA - Mas nem todos os homossexuais foram abusados na infância.
JUSTINO - A maioria foi.
FOLHA - Como é o seu tratamento?
JUSTINO - É um tratamento normal, psicoterápico. Todas as linhas psicológicas consagradas e vários teóricos declaram que a homossexualidade é um transtorno. A psicanálise a considera como uma perversão a ser tratada. À medida em que a pessoa vai se submetendo às técnicas psicoterápicas, vai compreendendo porque ficou presa àquele tipo de comportamento e vai conseguindo sair. Não há nada de tão misterioso e original na minha prática. Sou uma profissional comum.
Como paciente, repórter paga R$ 100 a sessão
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Numa sala onde mal cabem dois sofás cobertos com capas meio encardidas e uma cadeira de palha, a psicóloga Rozângela Alves Justino promete "curar" gays em terapia que pode durar de dois a cinco anos. A mulher de fala mansa e fleumática diz já ter "revertido" uns 200 pacientes da homossexualidade -que vê como doença- em 21 anos de profissão. Sem se identificar como jornalista, a reportagem se passou por paciente e pagou por uma consulta - R$ 200, regateados sem resistência para R$ 100. Para uma primeira sessão, ela mais fala do que ouve. Tampouco anota dados ou declarações do consulente. Explica que faz "militância política para defender o direito daquelas pessoas que querem voluntariamente deixar a homossexualidade". "É um transtorno porque traz sofrimento", diz a psicóloga, formada nos anos 1980 no Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio. Rozângela diz adotar a "linha existencialista" e que 50% de chance do sucesso da "cura" vem da vontade do HOMOSSEXUAL de sair "dessa vida" e outros 50% decorrem do trabalho psicoterápico.
"É preciso entender o que está por trás da homossexualidade. E a mudança vai acontecendo naturalmente. Vamos tentar entender o que aconteceu para que você tenha desenvolvido a homossexualidade. Na medida em que você for entendendo a sua história, vai ficar mais fácil sair", diz. Rozângela mostra plena convicção no que defende. "Com certeza há possibilidade de saída. Nesses 20 anos já vi várias pessoas que deixaram a homossexualidade. Existe um grupo que deixou o comportamento HOMOSSEXUAL. Existem pessoas que, além do comportamento, deixaram a atração HOMOSSEXUAL. E outras até desenvolveram a heterossexualidade e têm filhos." No final da consulta, a recomendação: "A igreja pode ser um espaço terapêutico também" -embora não faça pregação.
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