sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Pra não dizer que não falei das flores (ou da moça de rosa)



O episódio da Uniban nos fez revisitar os tempos medievais


*Well Castilhos

Vamos falar das mulheres! Assim como os negros e as pessoas LGBT, elas são consideradas minorias. É claro que o termo “minorias” não se refere aqui ao quantitativo desses três grupos na sociedade, mas foi uma forma que esses grupos encontraram para se organizar e poderem lutar por seus direitos, uma vez que estas pessoas frequentemente são alvo de uma sociedade racista, homofóbica, sexista e machista. É desses dois últimos problemas – o sexismo e o machismo – que vou falar aqui.

E o que me faz refletir sobre elas? O caso Uniban. O episódio envolvendo a estudante Geisy Arruda, estudante de turismo da universidade citada (no caso “universidade” em letra minúscula mesmo!) nos faz refletir sobre o papel – ou a idéia que ainda se tem – da mulher na sociedade brasileira (portanto, latina e machista). As mulheres não nasceram independentes – sabemos que nas eras mais medievais, quando ainda a barbárie predominava e as pessoas se matavam à toa, as mulheres, coitadas, eram sempre subservientes e submissas, num mundo onde quem mandava era o homem branco europeu e de posses (preferencialmente). Mas ao longo dos anos, muitas sociedades (felizmente) evoluíram. Nos países desenvolvidos, por exemplo, elas queimaram sutiãs, fizeram um movimento de liberação (conhecido como Womens’s Lib) nos anos 1960 e conquistaram vitórias – hoje, nos países nórdicos, principalmente, homens e mulheres têm direitos e deveres iguais no mercado de trabalho, nas tarefas domésticas e até mesmo nas licenças maternidade e paternidade (sim, eles também deixam de trabalhar por um período para cuidar do(a) filho(a) recém-nascido(a), dividindo com suas mulheres a tarefa de cuidar da criança.

No Brasil, o episódio da Uniban nos fez revisitar os tempos medievais, portanto da barbárie, quando as mulheres não tinham o direito de ir e vir ou vestir-se conforme desejassem. Quem viu o vídeo não lembrou da via crucis? Todos aqueles rapazes e MOÇAS (infelizmente elas também!) – o que Contardo Calligaris da Folha de São Paulo chamou de turba – seguindo a moça de vestido rosa ao coro de “Puta!Puta!” não parecia o martírio do maior símbolo do Cristianismo? Pois é, a via crucis da Geisy é um problema de todas as mulheres, mesmo aquelas boçais que, talvez para impressionar os meninos, acabaram agredindo a moça. Se a roupa dela era adequada ou inadequada para o ambiente, isto é outra história, o que não devemos é justificar com isso aquela barbárie que o Brasil – e talvez o mundo – viu acontecer em pleno século 21. E o pior, que uma universidade permita que aquilo aconteça em suas dependências (universidade não é o lugar da razão e do conhecimento?) e não puna os responsáveis. Que vergonha! Com este triste episódio, saibam as mulheres que, mesmo com Lei Maria da Penha e uma Secretaria da Presidência dedicada a elas sua situação nesta sociedade está longe de ser consolidada e respeitada. Mesmo as moças que também gritaram “Puta!” poderão ser as próximas vítimas. E, por isso, todos nós, independentemente de sermos LGBTs ou não, temos que comprar esta briga.

Afinal, quem gostaria de ver sua mãe ser avacalhada por uma turba daquelas? Ou aquela nossa melhor amiga – aquela mona atinada que toda a biba tem como amiga? Ou mesmo o L da sigla – nossas companheiras lésbicas – apanhar por sua orientação sexual? Estas sofrem preconceito duplo: por serem mulheres e ainda por serem mulheres que não gostam sexualmente de homens. Por isso mesmo, por carregarem tamanho estigma e séculos de discriminação, decidimos ser melhor que o L viesse na frente do G na I Conferência Nacional LGBT, realizada em 2008 em Brasília, lembram? Ou nossas tias, avós, sobrinhas, filhas... São tantas as mulheres que se viram retratadas na Geisy... As certinhas, as menos certinhas, as mulheres frutas, as carolas, as nisseis de São Paulo, as loiras do Sul, as nordestinas, as popozudas do Rio, as inteligentes, as burras etc.

Agora o fato aconteceu contra as mulheres, mas se nos calarmos daqui a pouco acontece algum caso de racismo – talvez um(a) negro(a) possa vir a ser barrado(a) em algum lugar, como acontecia no passado – ou de homofobia extrema – nós, LGBTs, termos que voltar a esconder nosso desejo –, ou uma adúltera ser apedrejada em praça pública, por exemplo. E talvez, com o ritmo que essas incivilidades estão acontecendo em nosso país, vamos passar a achar tudo isso (racismo, machismo, sexismo, homofobia) normal. Espero que não. Está na hora de reagirmos.

Na próxima, vou falar dos homens...

*Well Castilhos é jornalista e ativistae LGBT, presidente do Grupo Liberdade LGBT de São Gonçalo e coordenador do website do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CLAM/UERJ) – www.clam.org.br

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